Juntando material de arquivo (em grande parte com origem nos arquivos que a família guardou), “Love to Love You, Donna Summer” abre sobretudo janelas com imagens e palavras que nos permitem descobrir facetas menos conhecidas. Texto: Nuno Galopim

Dois realizadores queriam contar a história de vida de Donna Summer. Um deles era Roger Ross Williams, que em 2009 vencera um Óscar para Melhor Curta Documental com “Music by Prudence”, sobre a cantora Prudence Mabhena, natural do Zimbabwe. A outra figura com vontade de contar uma história que conhecia bem de perto era Brooklyn Sudano, filha da própria Donna Summer. Sob o desafio de uma produtora, os esforços de ambos uniram-se num mesmo projeto assim surgindo “Love to Love You, Donna Summer”, documentário que estreou este ano na Berlinale e que agora está disponível na plataforma HBO Max.

Mais do que uma sucessão de factos e longe de ser um mergulho na intimidade da cantora, o filme propõe um conjunto de olhares mais pessoais, com pontos de vista sobre a obra, o trabalho, ocasionalmente visitando o espaço pessoal e familiar (mas aqui sem o apetite pela devassa, ou não estivesse o filtro atento de uma filha ao leme das decisões). Usando muito material de vídeo de arquivo, que tanto nos leva a ver momentos vividos em palco e estúdio como episódios de vida familiar, usando ainda uma substancial coleção de gravações áudio (algumas delas captadas parta a criação do livro de memórias “Ordinary Girl”).

O conjunto de imagens e memórias contadas, às quais se juntam entrevistas e conversas recentes (juntando inclusivamente as três filhas de Donna Summer) faz do documentário uma interessante janela sobre a sua vida e obra, abrindo zonas de pensamento crítico sobre o modo como a sua relação com a música progrediu (notando, inevitavelmente, a importância do ‘disco’ no seu trajeto), a forma como evoluiu a relação do espaço familiar com o profissional, a fase em que a fé mudou comportamentos e decisões, sem esquecer as palavras que causaram justificadas reações desencantadas entre a comunidade LGBT+ (afinal parte determinante do seu público mais fiel nos tempos em que se afirmou ao som do disco sound), procurando aqui lembrar que não só não respondeu às acusações levantadas pelo grupo ativista Act Up como procurou depois explicar que foi mal compreendida (reconhecendo aqui a família e amigos que a própria cantora não foi feliz em toda esta situação). Sem surpresa, a etapa nos tempos de glória do disco e o episódio de triunfo vivido nos anos 80 ao som de “She Works Hard For The Money” são aqui protagonistas e quase ofuscam episódios musicais menores ocorridos antes ou depois. Não deixa de ser interessante vê-la a tomar esta canção, de 1983, como o momento mais significativo da sua obra (pelo peso dos significados de um retrato de afirmação no feminino) quando, na verdade, toda a música pop deve se calhar mais ainda às visões que, em 1997, ela mesmo fixou (numa parceria com Giorgio Moroder e Peter Bellotte) no histórico “I Feel Love”. No fim fica o tutano de um retrato pessoal, sério, bem documentado, de uma voz que nos deixou, em 2012, com apenas 63 anos, vítima de um cancro nos pulmões. 

“Love to Love You, Donna Summer”, de Roger Ross Williams e Brooklyn Sudano está disponível na plataforma HBO Max. 

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