Editado em outubro de 1983, o álbum de estreia a solo de Cyndi Lauper, “She’s So Unusual”, é exemplo de como a new wave abriu caminhos para a canção pop nos EUA, num disco ciente da necessidade de trabalhar a imagem para se dar a conhecer. Texto: Nuno Galopim

Em 1983 Debbie Harry dava passos a solo depois de um ponto final (não definitivo, sabemos hoje) com os Blondie. Kim Wilde lançava um terceiro álbum que não parecia destinado a repetir o impacte dos anteriores. Madonna tinha editado recentemente o seu álbum de estreia e estava ainda longe de fazer o mundo acreditar que conquistaria brevemente um estatuto global… É então que se apresenta, agora a solo, uma cantora nascida em Nova Iorque 20 anos antes e que, depois da discreta carreira da banda na qual tinha dado os primeiros passos em disco, levava o single de estreia “Girls Just Want to Have Fun” aos ouvidos do mundo inteiro, cimentando a entrada em cena com o álbum “She’s So Unusual”, do qual extrai, nos meses seguintes, êxitos igualmente sólidos ao som de “Time After Time”, “She Bom” e “All Through The Night”, aos quais junta, no ano seguinte, um Grammy para Melhor Revelação, outro para Melhor Capa e ainda um prémio MTV para melhor teledisco. E este último, de facto, é um elemento a reter na história da revelação ao mundo de um novo ícone pop.
Nascida a 22 de junho de 1953 (faz hoje 70 anos), crescida no bairro de Queens, com uma juventude que assistiu à descoberta de nomes como os Beatles ou Judy Garland, num tempo em que definiu uma personalidade visual exuberante, Cynthia Ann Stephanie Lauper viveu um percurso académico turbulento, passando por vários lugares, nos quais passou por vários palcos a cantar versões. Em finais dos anos 70 formou os Blue Angel, banda que editou um único álbum em 1980 no qual cruzava ecos da cultura rock’n’roll dos anos 50 com os sons que entretanto conquistavam visibilidade em tempos de entusiasmo new wave. O insucesso do álbum devolveu-a a outras rotinas de trabalho. Trabalhou em lojas, em restaurantes, sem deixar contudo de cantar em clubes. E é aí que talha novos conhecimentos, que a conduzem a uma nova equipa de trabalho e a um acordo com a Portrait Records, uma etiqueta da Epic Records, para a qual então grava um primeiro álbum.
O hino identitário “Girls Just Want To Have Fun” (que ficaria inscrito na história dos clássicos da pop dos oitentas) foi o cartão de visita certo para um álbum pop claramente marcado pelas vivências new wave que haviam marcado as vivências recentes de Cyndi Lauper, sublinhando, mais do que nos Blue Angel, a presença (sinais dos tempos) dos sintetizadores. O contraste entre a juventude da voz e a solidez da escrita pop (que inclui alguns temas com autoria da cantora), a largura de horizontes de formas e sons expressa no alinhamento e a tremenda mão cheia de grandes canções pop, com perfeito rosto numa capa dominada por uma fotografia de Annie Leibovitz, juntando ainda à equação um esforço adicional na construção em paralelo de uma videografia (afinal estávamos na génese da era MTV) fizeram de “She’s So Unusual” um dos casos sérios da pop em 1983, disco que conheceu depois sucessão natural (em modo de evolução na continuidade no sucessor “True Colors”, lançado em 1986). Além dos singles acima referidos, do alinhamento do álbum foram ainda extraídos mais dois, “Money Changes Everything” e “When You Were Mine”, este último uma versão de um original de Prince, ambos contudo sem o mesmo impacte dos quatro anteriores (que fizeram então de Cyndi Lauper uma recordista já que, até então, nunca uma cantora havia levado quatro singles de um mesmo álbum ao Top 10 norte-americano). Os trunfos do álbum mesmo assim não se esgotam nas canções que conheceram edição a 45 rotações. Os aromas jamaicanos de “Witness” (com saboroso tempero dub), o músculo electro de “I’ll Kiss You”, a cenografia retro de “He’s So Unusual” e o fulgor new wave de “Yeah Yeah” (que quase lembra uma Lene Lovich) completam um alinhamento notável que, na verdade, a própria Cyndi Lauper nunca mais superou nas suas posteriores propostas na canção pop. A sua discografia desde então mostrou contudo uma visão saudavelmente aberta a outras possibilidades, rotas e destinos, trilhando um percurso que dela faz hoje uma voz referenciada e universalmente respeitada.




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