Editado em 1994, criando então uma clara divisão de opiniões (com muitos velhos seguidores a não aderir às novas propostas), o álbum “Hot Trip To Heaven” sobreviveu bem à passagem do tempo e pode mesmo ser encarado entre os melhores do grupo. Texto: Nuno Galopim

Os Love & Rockets não digeriram lá muito bem o fenómeno criado por “So Alive”, single que em 1989 havia servido de segundo cartão de visita para um quarto álbum feito com alma elétrica, intensa, fiel a uma identidade indie alimentada a ecos do psicadelismo e distante dos apetites mainstream do momento, mas para o qual o grupo não tinha imaginado um cenário: o sucesso. Tendo atingido o terceiro lugar na tabela de singles nos EUA, o single foi bem mais longe do que o intenso “Motorcycle” que o havia precedido, assim como não seria igualado pelos dois demais extraídos do mesmo álbum, “”Rock & Roll Babylon” ou “No Big Deal”, lançados nos meses seguintes. Epifenómeno, “So Alive”, que pode ter levado muito boa gente (que não escuta senão os sucessos) a rotular os Love & Rockets como “one hit wonders” (a sua segunda passagem pela principal tabela de singles americana fez-se precisamente com “No Big Deal”, ainda em 1989, mas sem ascender além do 82º lugar), acabou por não ter consequências maiores na obra do grupo nascido da primeira separação dos Bauhaus porque, de facto, não ponderaram sequer criar uma qualquer ideia de sequela face a esse momento inesperado e que, na verdade, não nasce fora do que eram as fronteiras habituais da região demarcada do som que o grupo vinha a definir desde a sua estreia, em 1985. Aconteceu. Mas não se repetiu.

Depois de “Love & Rockets” (assim se chamava esse quarto álbum, editado em 1989), o trio viveu um tempo de pausa, cedendo a todos os seus elementos tempo para projetos a solo. David J retomou a discografia em nome próprio, Daniel Ash gravou dois primeiros álbuns. Kevin Haskins trabalhou com Natasha Atlas (dos Transglobal Underground). Se os dois primeiros projectaram nos respetivos discos a solo ecos diretos do percurso definido entre os Bauhaus e os Love & Rockets, já o discreto terceiro elemento acabaria por ser uma das chaves que espoletaram o passo seguinte. No momento do reencontro, não só Natacha Atlas deu por si em estúdio com os Love & Rockets, como todos eles mostravam sinais de atenção focada em terrenos que, por aqueles dias, tinham cativado atenções, nomeadamente a eletrónica mais ambiental, de formas longas com desenvolvimento lento, que nomes como os The Orb, Orbital, Fluke ou Hypnotone tinham levado a cena. E é precisamente do confronto entre esta nova família de sons e os ecos da alma genética central de todo um percurso   herdeiro do psicadelismo dos sessentas, deixando desta vez de lado a faceta mais assombrada (era então habitual usar o rótulo “gótico”), que os Love & Rockets criam um quinto álbum, que vê a luz do dia em 1994.

Apresentado pelo single “This Heaven”, diferente de tudo o que até então o grupo tinha experimentado, “Hot Trip To Heaven” é um disco de canções longas (a que abre o alinhamento tem 14 minutos), desenhadas segundo arquiteturas diferentes das habituais em espaço pop, visando sobretudo a sugestão de ambientes, climas, cenografias. Com mais evidentes marcas de relação com o “som” dos Love & Rockets nas vozes de David J e Daniel Ash, valorizando sobretudo a presença das electrónicas e batidas, mas sem excluir nem o baixo nem a guitarra, “Hot Trip To Heaven” foi na altura uma proposta incompreendida sobretudo pelos seguidores do grupo, votando o disco aos antípodas da receção dada ao álbum anterior. Agora, quase 30 anos depois, uma reedição em vinil devolve atenções a um disco no qual encontramos uma banda a ousar escapar à pesada herança de todo um passado talhado nos oitentas, quer nos Bauhaus quer nos quatro álbuns editados como Love & Rockets. Três anos depois, em “Sweet F.A.” davam um passo atrás, criando apenas um sucessor (menor) para “Hot Trip To Heaven”em “Lift” (1998), o seu derradeiro álbum. O tempo acabou por dar aos sabores invulgares desta experiência um travo raro e especial. 

“Hot Trip To Heaven”, dos Love & Rockets, tem nova prensagem em 2LP, numa edição Beggars Arkive.

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