Entre a nova série de reedições em vinil da discografia de Prince conta-se o álbum “Lovessexy”, disco editado em 1988 como o sucessor do histórico “Sign O’The Times” e também do “Black Album” que então tinha ficado na gaveta. Texto: Nuno Galopim

A segunda metade da década de 80 encontrou Prince a viver situações de algum desnorte. E se a criação de “Sign ‘O’ The Times” tinha surgido na reta final de um processo complexo (que deixara arquivados dois álbuns gravados mas não editados e assistira ao desmoronamento dos Revolution), também o se sucessor passou por fados semelhantes. E, desta vez, deixando na gaveta aquele que se tornaria o bootleg mais popular de sempre até à data, mas que conheceria eventualmente edição oficial já nos anos 90.

Prince deixara de investir em “Sign ‘O’ The Times” depois das datas europeias e da criação do filme-concerto que resolveu lançar para de certa forma compensar a ausência de uma etapa americana da digressão. O filme foi o primeiro trabalho feito nos recentemente inaugurados estúdios de Paisley Park (nos arredores de Minneapolis), juntando às imagens captadas na Europa algumas outras registadas ali mesmo – no estúdio de televisão no centro do complexo – que ora repetiam algumas interpretações de canções ora juntavam pontuais momentos de diálogo. Apesar da nota favorável da crítica, o filme não repetiu o sucesso de “Purple Rain” (e, verdade, também não se comportou tão mal como o anterior “Under a Cherry Moon”). Mas a aposta em fazer do filme-concerto numa sala de cinema uma alternativa a uma digressão americana ficou aquém do desejado. E em pouco tempo, Prince estava novamente em estúdio a trabalhar num projeto seguinte.

Numa tentativa de responder a críticas que apontavam uma presença “branca” na sua música dos últimos anos, Prince juntou um alinhamento que o devolvia às matrizes funk e R&B dos seus primeiros tempos. Chamou-lhe “The Black Album”, chegou a ter ordem de edição (e 500 mil unidades prensadas), mas à última hora foi o próprio quem cancelou a edição, chegando mesmo a pedir (em letras soletradas no teledisco de “Alphabet St” para que os seus admiradores não comprassem o bootleg). Prince via então o disco como possível expressão de algo mais negro (não no sentido da cor da pele) e tenebroso dentro de si. E, para responder, procurou criar então um outro disco que traduzisse outra luz. E assim nasceu “Lovessexy”.

Criado (da ideia à mistura final) em apenas sete semanas, o disco traduz primeiros sinais de uma nova consciência religiosa em Prince, que junta assim um quadro temático novo a um conjunto de canções que não esquecem outras demandas anteriores, nomeadamente as de cariz mais social, que têm em “Dance On e Positivity” novos episódios significativos.

O disco – que faz logo nos momentos iniciais de “Eye No”, e pela voz de Ingrid Chavez, uma primeira referência à New Power Generation – talvez não traduza a imensa versatilidade das criações gravadas com os Revolution. Mas é em tudo um descendente direto de experiências recentes. A visão pop funk minimalista de “Alphabet St.” é clara sucessora de “Kiss” e “Sign ‘O’ The Times”. “Glam Slam” mantém a porta aberta a diálogos pop/rock. “Anna Stesia” é herdeira das visões do alter-ego Camille. “I Wish U Heaven”, por sua vez, lança olhares (bem pessoais) sobre as descendências possíveis do gospel.

Mais do que nos ingredientes instrumentais e nas formas usadas pela composição, “Lovessexy” destaca-se dos demais discos de Prince pela forma como as canções foram encadeadas em sucessão, tendo mesmo a edição original em CD apresentado todo o alinhamento como apenas uma faixa, sem separações (já o vinil obrigava a uma pausa na mudança de face).

Para a capa foi chamado Jean Baptiste Mondino, que fotografou um nu de Prince, juntando flores como adorno único de uma imagem que gerou celeuma. Apesar da boa receção crítica (sobretudo na Europa), nas vendas o disco ficou contudo bem longe dos números desejados e valeu a Prince os seus piores resultados em vários anos. Foi contudo deste lado do Atlântico que cativou mais os seus admiradores. E por isso foi em solo europeu que arrancou a Lovessexy Tour, que depois chegaria aos EUA, Canadá e Japão.

“Lovessexy”, de Prince, tem nova reedição em vinil pela Warner. O disco sai esta sexta-feira, dia 28 de julho.

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