Há sucessos inesperados. Na verdade não é caso único a história de um lado B de um single, destinado a não ser sequer uma nota de rodapé numa discografia, a transformar-se num caso de maior visibilidade do que o respetivo lado A. Mas, em 1978, com “I Will Survive”, a canção destinada ao lado B de “Substitute” (pois, é natural que desta poucos se lembrem), acabou mesmo por se transformar no maior sucesso de toda a obra de Gloria Gaynor.
A canção começou a nascer na casa do produtor e compositor Dino Fekaris, que recentemente tinha sido afastado da Motown Records e procurava, através da escrita, uma rota de superação. Assim aconteceu e, motivado por ecos claramente próximos da sua vida pessoal, acabou por lançar ideias para um potencial hino de auto-estima, subtexto que a Gloria Gaynor logo descodificou assim que lhe foi apresentada a canção. Acontece que, na sessão de gravação destinada a criar um novo single o tempo de estúdio foi quase todo ocupado pelo registo de “Substitute”, no final restando apenas 35 minutos, nos quais “I Will Survive” ganhou forma…
Na hora de preparar o lançamento, apesar da aposta da cantora em “I Will Survive” a vontade da editora prevaleceu e “Substitute” avançou como lado A. O clima ‘disco’ também estava perto, mas o mood da canção era coisa mais tranquila, mais discreta, longe do potencial de êxito que a própria Gloria Gaynor desde logo havia reconhecido em “I Will Survive”. Nada como um plano B, então… O marido de Gloria Gaynor apresentou então o lado B ao DJ do Studio 54, a discoteca que, depois da etapa inicial do ‘disco sound’ vivida em clubes de menos visibilidade mainstream, era então o local que ditava tendências na noite nova-iorquina. A reação foi de evidente entusiasmo, pelo que o DJ acabou com uma pilha de singles para distribuir entre colegas e amigos… E foi assim que, entre a pulsação noturna da cidade que “I Will Survive” começou a cativar atenções, acabando por chegar à rádio de tal forma que a editora acabou mesmo a trocar a ordem das canções em novas prensagens, elevando “I Will Survive” ao estatuto de lado A, abrindo caminho para um vendaval de adesões que acabaram por levar a canção ao número um na principal tabela de singles dos EUA, com repercussão internacional no mesmo calibre, suplantando assim os resultados obtidos quatro anos antes com “Never Can Sai Goodbye”, que havia já representado (em 1974) um dos primeiros casos de sucesso maior do então emergente ‘disco sound’.
O motor lírico, centrado numa ideia de auto-estima, foi conquistando depois todo um historial de novos significados, um deles, imediato, pelo facto deste hino surgir na voz de uma mulher. Este seria um entre os vários episódios da história do ‘disco’ e dos seus grandes intérpretes que contrariam os argumentos que apontavam o dedo a uma música essencialmente festiva e eventualmente vazia de conteúdo. Visão errada, ainda por cima numa cantora que sempre procurou dar voz a canções com vitaminas de significados, atenta a grandes causas sociais e que viu, poucos anos depois, o igualmente marcante “I Am What I Am” elevado a estatuto de hino de orgulho identitário reclamado pela comunidade LGBTIA+.






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