É justo apontar a editora Creation como uma das mais férteis incubadoras de uma derivação quer o rock alternativo britânico começou a trilhar ao explorar mais intensamente a distrorção, o feedback e o próprio volume do som. Curiosamente o nome pelo qual as bandas que alinhavam por estes princípios tinha mais a ver com a pose do que com o som, já que “shoegazer” traduz a postura aparentemente introvertida de quem se curvava, guitarra aos ombros, lançando o olhar sobre o chão… Sobre os próprios sapatos… E entre nomes como os My Bloody Valentine, Slowdive ou os Ride o que podia ter sido um instante ganhou o fulgor de um momentum, colocando no mapa uma série de primeiros discos que rapidamente conquistaram atenções na imprensa escrita, cativando igualmente um público que, tal como os músicos, partilhava já uma admiração por nomes como os The Jesus and Mary Chain ou uns Cocteau Twins, peças de facto determinantes na abertura de possibilidades que os shoegazers depois conduziram mais adiante. Estes últimos, nascidos na 4AD, que desde a aurora dos anos 80 se havia afirmado como umas mais atentas e ágeis etiquetas em espaço independente britânico, e que entretanto havia começado a abrir portas à presença de uma nova geração de bandas indie rock norte-americanas (Throwing Muses, Pixies), estão na verdade perto das etapas iniciais da discografia das Lush, banda nascida em Londres na reta final dos oitentas e que, com protagonismo partilhado pelas vozes de Miki Berenyi e Emma Anderson, partiram de um despreocupado berço de alma punk rumo a uma música tão intensa no som quanto elaborada na cenografia elétrica que, assinada bem cedo pela 4AD, rumaram, depois dos lançamentos iniciais em formato de mini-LP (“Scar”, de 1989) e EP (“Sweetness and Light”, de 1991, gravado com Tim Friese-Green, habitual colaborador dos Talk Talk), rumar a um encontro com Robin Guthrie, dos Cocteau Twins, iniciando num novo EP, “Black Spring” (1991) um relacionamento de trabalho que teve consequências diretas no álbum de estreia “Spooky), editado em 1992, no qual duas das canções deste 45 rotações seriam recuperadas.

“Spooky”, onde as marcas das heranças dos Cocteau Twins são bem evidentes, num lote de canções que confirmaram em pleno os entusiasmos que os primeiros títulos da banda haviam levantado, é um disco de afirmação clara do som que associamos às etapas iniciais do “movimento” (e estes rótulos são sempre artificiais, mas ajudam a arrumar ideias) shoegazer, sublinhando marcas de identidade, distinguindo-se das demais bandas contemporâneas através do modo como o jogo de vozes caracterizava canções de facto cautelosamente esculpidas entre muralhas de som. Os densos “Nothing Natural” (que vinha já do EP de 1991) e “Superblast!”, assim como o quase indie pop “For Love” foram escolhidos como singles, acentuando a comunicação da face mais intensa de um álbum onde não faltam contudo momentos de contraste como os que escutamos nos belíssimos “Ocean” ou “Covert” que, se por um lado denunciam talvez em demasia o peso do produtor e da escola que a sua obra veiculava, por outro destacam características que cedo fizeram das Lush uma banda que conquistou atenções para lá dos públicos que seguiam estas movimentações para eletricidade e distorção. Convenhamos que, para garantir este potencial de sedução mais alargado a própria marca do selo 4AD foi argumento para muitos que, na altura, viam na editora um sempres estimulante farol sobre o que de melhor ia acontecendo em terreno indie.
Mais próximo dos ecos da compilação “Gala” (1990) por onde se reuniam os esforços pré-“Spooky” (e onde não faltava uma versão de “Hey Hey Helen” dos Abba), o álbum de estreia tem no mais colorido “Fantasy” um indício do que estava para acontecer, revelando essa canção (que poderia ter sido um single) sinais de caminhos rítmica e instrumentalmente mais arejados que o segundo álbum, “Split”, produzido por Mike Hedges, exploraria dois anos depois.
“Spooky”, das Lush, acaba de conhecer nova reedição no formato de LP em vinil pela 4AD.





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