É sabido que não é fácil, para alguém na segunda geração de figuras de referência na música, vencer o eventual espaço de sombra lançado pelo trabalho de quem chegou antes. No caso de Rufus a coisa era até de dimensão algo dinástica já que ele é filho de Kate McGarrigle, uma das figuras de referência da folk canadiana e do cantador norte-americano Loudon Wainwright III. Que Rufus Wainwright se tornou, em 25 anos de carreira discográfica, uma das figuras mais interessantes do panorama da música popular do nosso tempo há muito deixou de ser novidade. E passam hoje 20 anos sobre o momento em que a primeira parte do díptico “Want” confirmou em pleno as sugestões lançadas pelo álbum de estreia (editado em 1998) e o aclamado “Poses”, o disco de 2001 que o colocou na linha da frente das atenções. A educação musical feita entre vivências folk e rock e um gosto pela ópera descoberto bem cedo lançaram bases para uma “voz” que juntou depois doses valentes de personalidade para, em conjunto, criar uma visão da canção como espaço que cruza tempos e referencias, a alma do autor e o timbre e as características interpretativas acabaram por falar mais alto do que as heranças e referências que aqui e ali visita (e são muitas).

Separados à nascença por uma política editorial que temeu o duplo álbum e apostou em fatiar em dois o que fazia sentido como um todo, o díptico “Want” colocou em cena um épico pop que vincou a maturação de ideias visionárias que se mostravam já com alguma ambição nos dois álbuns anteriores. Há diferenças entre os dois “Want”: o primeiro mais fechado em domínio sinfonista, e com um olhar para fora, o segundo, lançado um ano depois, mais variado nas formas e feito de olhares interiores. Uma certa visão operática (evidente inclusivamente na versão de “L’absence”, ária de “Les Nuits d’Eté” de Berlioz no lado B do single de avanço, “I Don’t Know What It Is”) atravessa o disco que, assim, acrescentou dimensões cenografias mais elaboradas a uma escrita que, sobretudo em “Poses”, tinha já definido um caminho muito pessoal para a canção pop. Sob produção de Marius de Vries, “Want (one)” juntou uma pequena multidão de parceiros em estúdio, entre os quais o baterista Sterling Campbell (ex-Duran Duran) e o guitarrista Charlie Sextton, uma pequena orquestra, o The London Oratory Choir e vários colaboradores próximos, desde a mãe Kate McGarrigle e a irmã Martha Wainwright a amigos como Teddy e Linda Thompson ou Joan Wasser (que tem carreira em nome próprio como Joan As Police Woman). Com momentos inesquecíveis em canções como “Oh What a World” (cujo título nasce de uma citação no filme “O Feiticeiro de Oz”), “Dinner at Eight”, “Go or Go Ahead” ou “Vibrate”, esta parte um do dístico “Want” deu forma um desafio de maior complexidade que Rufus Wainwright chamou à sua música, abrindo caminho para várias experiências posteriores, entre as quais a sua estreia na ópera. Em 2005 as duas partes do díptico “Want” acabariam por ser reunidas num único álbum duplo (por enquanto apenas disponível no formato de CD).





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