Filho de Maurice Jarre, mas com vida separada do dia a dia do célebre compositor desde muito cedo, Jean Michel Jarre encarou o mundo da música no cinema como um espaço mais ligado ao pai do que a si, pelo que raramente aceitou desafios de criar bandas sonoras. Uma exceção ganhou forma em inícios dos anos 70, numa altura em que dava passos de afirmação profissional depois da etapa vivida entre o G.R.M (Groupe de Recherches Musicales), e durante a qual mais frequentemente compôs para outras vozes do que para discos em nome próprio.

Filme de Jean Chapot, protagonizado por Alain Delon e Simone Signoret, “Les Granges Brulèes”, este thriller encenado em ambiente rural recebeu uma banda sonora integralmente criada por instrumentos eletrónicos, tendo na sua criação e gravação sido usados um sintetizador VCS3 um orgão Farsifa orgão e três gravadores de fita sincronizados. A música tanto traduz ocasionalmente ecos de visões mais exploratórias com momentos de luminosidade pop (como “Zig Zag”, na verdade a versão instrumental de uma canção criada em 1972 com Samuel Hobo), noutras antecipando opções cénicas a que regressaria mais tarde (como em “Le Car”/“La Chasse Neige”), recorrendo, como de resto é frequente encontrar em trabalhos para cinema, a leit motifs, de um deles emergindo “La Chanson das Grandes Brulèes”, uma peça instrumental com vocalizações da cantora France Vanier, que acabou inclusivamente por conhecer edição no formato de single. A edição em disco da banda sonora deu a Jean Michel Jarre uma primeira ocasião para falar sobre a sua música na televisão.
Apesar de reeditado em CD em 2003, o álbum com a música criada por Jean Michel Jarre para “Les Granges Brulèes” estava há muito transformado numa preciosidade para colecionadores na sua versão em vinil (prensagens únicas de 1973 pelo menos em França, Itália e Canadá). Agora, a assinalar os 50 anos do lançamento original, a Transversales Disques apresenta uma reedição que reproduz o álbum com o som remasterizado a partir dos masters originais e, ao invés do CD, recuperando a sua capa de 1973, acrescentando uma faixa (que se pode remover) com alguma informação adicional. Esta ideia de informação extra é reforçada no inalay, com um depoimento de Jarre (em francês e inglês) no qual lembra os dias em que se afastou do G.R.M., notando o próprio as memórias de uma masterclass de Xenakis a que assistiu e na qual o compositor grego terá explicado que “na música tudo o que provém da emoção é suspeito”. Pensando de outra forma, o então jovem Jean Michel escutou com interesse o desafio que lhe foi lançado pelo realizador Jean Chapot, que procurava uma música diferente para o seu filme e que o contactara depois de ter escutado “AOR”, música que havia criado para uma coreografia de Norbert Schmucki. Pelas suas palavras Jarre reflete ainda sobre relações entre música e cinema lembrando nomes como os de Nino Rota, Ennio Morricone, Wendy Carlos ou Tangerine Deram, observando aqui o período, que descreve como “breve” no qual vários autores de música electrónica desenvolveram um relacionamento com o cinema, facto que aponta como sol de pouca dura, atribuindo esse facto ao sucesso da visão mais convencional que John Williams levou a “Star Wars”. No mesmo depoimento Jean Michel Jarre conta ainda que Aphex Twin lhe contou que “Les Granges Brulèes” era um dos seus discos preferidos.
“Les Granges Brulèes”, de Jean Michel Jarre, está disponível numa reedição em vinil pela Transversales.





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