O sucesso por vezes pode ser mais um problema do que uma ajuda para a projeção do que se segue… E tantas vezes a história da música popular nos mostrou já como a subida de alguém a um outro patamar de “fama” funcionou para alguns como condição suficiente para desligar o som dos ouvidos e ligar em seu lugar o sinal luminoso do preconceito. Jean-Michel Jarre, que desde sempre dividiu opiniões (o que é sempre bom), ganhou visibilidade entre 1976 e 78 com dois álbuns nos quais experimentava novos caminhos (melódicos, narrativos e cenográficos) para as electrónicas num quadro claramente mais próximo da pop do que dos berços em que ele mesmo a começara a estudar (nos dias em que foi aluno de Pierre Schaffer). Depois de dois primeiros discos que haviam passado longe das atenções, “Oxygène” (1976) e “Equinoxe” (1978) juntaram-se a discos pioneiros seus contemporâneos e ajudaram a abrir caminho para a generalização do uso das electrónicas num contexto pop. Quando, em 1981, editou “Les Chants Magnétiques” (editado fora do mundo francófono como “Magnetic Fields”), optou por manter no corpo do disco uma estrutura comum, encaminhando contudo várias das “partes” rumo a modelos mais próximos da canção pop nos em propostas onde a repetição e simplificação de linhas e estruturas acabou por gerar um álbum que, mesmo sem o fulgor das visões dos antecessores, acabou por gerar, através dos singles dele extraídos, um outro impacte num tempo em que a primeira geração pop electrónica somava já êxitos nas tabelas de vendas colocando-o assim entre a lista dos sabores do momento. O tom de facto açucarado de dois dos momentos do álbum (em concreto as partes 2 e 4) deu, contudo, a Jean Michel Jarre, o berço de uma era de ceticismo de parte da crítica.
A faceta mais popular do músico ganhou entretanto novos focos de visibilidade com o impacte europeu de um álbum (e um documentário televisivo – que na altura foi exibido na RTP) sobre a digressão de Jarre na China que gerou o álbum “Les Concerts en Chine” que vincou o seu perfil como artista de sucesso. Depois seguiu-se o “caso” “Music For Supermarkets”, um álbum (de 1983) cujos masters foram destruídos após a prensagem de um único LP em vinil que foi vendido em leilão como se de uma pintura se tratasse.

Era assim de um Jean-Michel Jarre globalmente famoso, e sem um disco verdadeiramente realmente desafiante há já seis anos, que se falava quando, em 1984, chegou “Zoolook”. E, com mais preconceitos ativos do que com ouvidos atentos, muitos passaram pelo disco sem notar o que ali poderia estar a acontecer. E por menos consequente que, de facto, seja grande parte da sua discografia posterior a 1980 a verdade é que convém não deixar “Zoolook” fora da sua lista de grandes feitos. O álbum representa um episódio de exploração de potencialidades de novas máquinas (nomeadamente os samplers e um batalhão de novos teclados), ao mesmo tempo que espelha um desejo do músico em encontrar formas de usar a voz e as línguas do mundo (passando, entre outros, por elementos “samplados” em aborígene, afegão, inuit, francês, holandês, alemão, húngaro, indiano, malaio, tibetano ou sueco). Esgotando no tema título e em “Zooloogique” (que chegaram, ambos, a ser editados como singles) um apelo pop semelhante ao de um “Magnetic Fields 2”, “Zoolook” é um álbum diferente na estrutura, propondo ao invés de um grande-todo, uma lógica de obra feita de faixas distintas entre si, unidos, segundo um rumo bem definido, por um conceito comum. As ferramentas de trabalho usadas e a presença protagonista das vozes asseguravam então a ideia de unidade. O disco, que recupera (com algumas alterações), três fragmentos de “Music For Supermarkets”, que foi dos primeiros a ser gravado com tecnologia digital e que conta com nomes como os de Laurie Anderson (voz) e Adrian Blew (guitarras) no elenco, é uma pérola esquecida por vezes até pelo próprio autor que não tem por hábito recuperar estes momentos nos seus alinhamentos ao vivo.





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