Havia nos anos 80 um fosso quase inultrapassável entre o sucesso em patamar mainstream de certos artistas nas esferas da pop e o seu (eventual) reconhecimento crítico. Fosso que na verdade não parecia existir na tabela de vendas onde, ao lado de um e outro destes nomes com sucesso global, irrompiam com frequência, casos chegados de terrenos indie, de uns Echo & The Bunnymen aos The Cure, passando pelos New Order ou Siouxsie & The Banshes, entre alguns mais… Algo oposto parece existir hoje, com figuras de proa do firmamento pop a obterem o (justificado) espaço de reflexão (sem pruridos) em várias frentes da escrita sobre música, sendo quase impossível a um projeto “alternativo” figurar num Top 20 (ou mesmo Top 40) de singles. Valeu a uns, na época, a visibilidade nas vendas que os leva hoje aos “best of” das canções de mil novecentos e oitenta e não sei quantos, raras sendo contudo as construções de discurso crítico sobre os que não conseguiram, com o passar do tempo, vencer o quase silêncio que, na época, os remetia mais às páginas sobre “famosos” do que aquelas em que se escrevia sobre música. E aos outros, hoje, cabe uma mais abrangente cobertura na escrita, sendo que, na era da Internet, a presença na tabela de singles deixou de ter, para muitos, o peso que teria (no Reino Unido era determinante um Top 40 para figurar num “Top of The Pops” e, assim, chegar à televisão). Um discurso cético assombrou muita da escrita sobre vários artistas e bandas “pop”(ulares) de então, cabendo por vezes ao reconhecimento entre pares, por figuras de gerações seguintes, a abertura de caminhos para uma mudança de atitudes na criação de pontos de vista sobre discos, canções e, até mesmo, obras inteiras. No caso dos Duran Duran não esqueço um rasgado elogio de Courtney Love, nos anos 90, que ajudou a abrir primeiras frestas em terreno indie que depois alastraran entre novas gerações de autores de prosa sobre música (nos EUA, depois por outras latitudes e longitudes). Já Nik Kershaw, apesar de ter sido convidado por Stuart Price (então através do seu projeto Les Rythmes Digitales) para dar voz a uma canção no seu álbum de 1999 “Darkdancer”, não conseguiu contudo dar, até hoje, a mesma cambalhota.

É certo que está longe de ser uma obra de referência dos oitentas o corpo maior da discografia de Nicholas David Kershaw, nascido em Bristol em 1958, ou seja, bem antes da cidade ter entrado no mapa das atenções da música com a família de músicos da qual emergiram nomes como os Massive Attack, Portsishead ou Carlton, entre outros mais, na viragem dos 80s para os 90s. Filho de uma cantora lírica, cresceu em Ipswich, onde teve as suas primeiras bandas, a última das quais, os Fusion, com ponto final em 1982. Por essa altura trabalhava em novas canções que começou a gravar em maquetes caseiras num estúdio portátil (uma modernice naqueles dias), que foi enviando para várias editoras ao mesmo tempo que ia ganhando a vida com um trabalho de escritório. Foi recebendo uma coleção de “nãos” (um clássico) até ao dia em que, com um novo manager do seu lado, e uma mais intensa “campanha” junto de potenciais editores, finalmente ganhou um “ok” para avançar. Foi dado pela MCA, que então o levou a estúdio, comentando depois Nik Kershaw que quase se limitou a regravar, com outras condições, as ideias que já havia expresso nas maquetes, mantendo “fielmente” os arranjos que haviam ganho forma na sala da sua casa. Nascem assim canções como “Wouldn’t It Be Good”, “I Won’t let The Sun Go Down On Me”, “Dancing Girls” ou “Human Racing”, as quatro que teriam edição em single depois de extraídas de um álbum de estreia que, na verdade, está longe de se esgotar nestes momentos que lhe deram considerável visibilidade nas tabelas de vendas europeias. “Human Racing”, assim se chamou o álbum, mostra ainda mais peças de uma pop elaborada nas formas, vincada em sólidos alicerces rítmicos (por vezes a piscar olhos ao funk, valorizando o baixo), cenicamente bem arrumada e com linhas fortes nas melodias. Vale por isso a pena (re)descobrir canções como “Bogart”, “Drum Talk”, “Gone To Pieces” ou “Cloak and Dagger” que, em sintonia com os valores de produção da pop de então, fazem deste álbum mais do que uma mera casa da qual saíram uns singles de sucesso. O alinhamento do sucessor “The Riddle” (segundo álbum, editado algo a correr ainda esse ano) não repetiu o mesmo patamar de ideias, tendo depois, a obra posterior a “Radio Musicola” (1986) conhecido destinos bem mais discretos. E, com o passar do tempo, as memórias dos singles da fase 1984-86 lá acabaram arrumadas nas compilações dedicadas aos mais óbvios hits dos eighties…





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