O momento de ebulição que a música de dança made in UK viveu entre finais dos oitentas e inícios dos noventas deu visibilidade a uma série de vozes femininas de escola soul (e arredores) que ajudaram a cruzar caminhos entre as rotas que então emergiam das variações em curso nos espaços da cultura house, hip hop e suas periferias. Nomes como os de Alison Limerick, N’Dea Davenport, Shara Nelson ou Carleen Anderson, entre outras, fizeram carreira ora a solo, em bandas ou através de colaborações (a primeira, entre outros, junto do James Taylor Quartet, a segunda nos Brand New Heavies, a terceira inicialmente com os Massive Attack, a quarta integrando numa etapa inicial os Young Disciples).
Alemã, natural de Hamburgo (cresceu com os avós no red light district da cidade que em tempos ajudara a dar aos Beatles as vitaminas de vida e músculo de palco que lhes permitiram voar para mais longe), Billie Ray Martin começou por escutar a música de nomes como os Human League ou Cabaret Voltaire, mais tarde descobrindo grandes vozes da então emergente música soul, como Martha Reeves ou Aretha Franklin, encontrando finalmente aí a sua voz junto de primeiras expressões da cena house britânica, tendo colaborado, por exemplo, no álbum de estreia dos S’Express (onde a ouvimos em “Hey Music Lover”). Foi também em solo britânico que se juntou depois a um quarteto de Birmingham formado por Joe Stevens, Les Fleming, Rob Cimarosti e Brian Nordhoffcom, recrutados através de um anúncio de jornal. E assim, como quinteto, apresentaram-se sob um nome que cruzava a memória de um frigorífico russo e de um teclado da Roland, o SH-101. Estreados com um primeiro single em 1988 (“Talking With Myself”), os Electribe 101 tiveram em 1990, no seu álbum de estreia (o único que na verdade editaram por aqueles tempos, o segundo tendo surgido mais recentemente depois das fitas terem vivido, anos a fio, guardas em arquivo), uma das peças mais vibrantes (no formato de longa-duração, entenda-se) de um espaço que, entre nomes como os Beloved ou Deee-Lite, propunham então uma nova visão para a canção pop, assimilando linhas e formas da nova música de dança.

“Electribal Memories” não se fechou num só corredor de estilo. O disco vai desde os domínios da house e das cercanias com arestas polidas dos terrenos acid até espaços de uma pop eletrónica não muito distante do que então ouvíamos nuns Pet Shop Boys, vincando uma rota claramente europeia. Com a luminosa voz de alma soul de Billie Ray Martin como uma das suas marcas de identidade, o álbum de estreia dos Electribe 101 chegou mesmo a gerar pontuais focos de entusiasmo através de singles como “Tell Me When The Fever Ended”, “Inside Out” ou, após reedição, o sedutor “Talking With Myself”. O facto de não terem continuado carreira sob este nome (quando editaram um outro disco já o fizeram sob a designação The Groove Corporation) talvez ajude a explicar o progressivo esquecimento a que o álbum acabou por ser votado. Coube talvez à edição do material de arquivo que em 2021 finalmente descobrimos em “Electribal Soul” e ao tom positivo das opiniões que a chegada destas gravações entretanto gerou, a preparação do caminho para a edição especial de “Electribal Memories” que agora entra em cena, ora numa versão de 4 CD onde encontramos uma vasta coleção de remisturas (de versões longas a edits para a rádio) e maquetes de trabalho, arrumadas junto a um booklet onde não faltam liner notes da própria Billie Ray Martin, ora numa prensagem em vinil de 180 gramas. Um belo reencontro com a luminosidade de aromas que marcavam a pop no momento da chegada dos anos 90.
“Electribal Soul”, dos Electribe 101, está disponível em LP e caixa de 4CD numa edição da Demon Records





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