Apesar de um (mais discreto) percurso por numa outra editora e de uma muito recente reunião (que gerou um novo álbum), os Propaganda são inevitavelmente associados, juntamente com nomes seus contemporâneos como os The Art of Noise ou Frankie Goes To Hollywood aos momentos de entrada em cena e exuberante revelação da editora ZTT, fundada por Trevor Horn (e parceiros), reconhecida como uma das mais inovadoras e cativantes entre as que operaram em cenário pop nos anos 80. E tiveram como momento maior o álbum “A Secret Wish” que, em finais de 1985, fez dos Propaganda um nome essencial no mapa do momento, criando um monumento pop. Entre peças que desafiavam a forma da canção (como “Dr. Mabuse” ou “Dream Within A Dream”, este usando as palavras do poema homónimo de Edgar Allan Poe), flirts mais evidentes com a pop (em “Duel” ou “P-Machinery”) e uma versão de “Sorry For Laughing”, dos Jospeph K, “A Secret Wish” fixou em disco uma visão característica de um tempo em que as novas possibilidades do estúdio (daí o relativo protagonismo do produtor no todo) se materializavam numa ideia nova de sofisticação na pop.

Antes do álbum, o quarteto alemão (nascido em Dusseldorf em 1982, juntando entre outros um elemento do colectivo industrial Die Krupps e um músico com formação clássica) já tinha chamado atenções em 1984 com um épico de alma sinfonista em “Dr. Mabuse”, single de estreia que recebia um dos primeiros telediscos assinados por Anton Corbijn e que tinha por base uma evidente referência ao clássico do Expressionismo alemão “Dr. Mabuse, der Spieler” (1922) e as suas sequelas “Das Testament des Dr. Mabuse” (1933) e “Die 1000 Augen des Dr. Mabuse” (1966), todos eles assinados por Fritz Lane. Seguindo uma norma exploratória comum a outros projetos dessa etapa na vida da emergente ZTT Records, a canção surgiu logo nas edições em single e máxi numa série de remisturas. De resto, o próprio single mostrava na capa não o título “Dr Mabuse” mas, desde logo, “The Nine Lives Of Dr. Mabuse”, sugerindo a existência de várias vidas (e versões) possíveis para este seu cartão de visita. Segiu-se, no álbum de remisturas, uma nova leitura à qual chamaram “Abused”. E mais recentemente, tal como tem sucedido com outros artistas do catálogo da ZTT Records, entraram em cena versões alternativas que ficaram anos a fio em arquivo. Agora, em “Die 1000 Augen Des Dr. Mabuse”, álbum com edição exclusiva em vinil (lançado por ocasião do Record Store Day), podemos encontrar um olhar mais amplo sobre o modo como os Propaganda criaram as várias declinações e pontos de vista que assim construíram, não necessariamente as mil, mas pelo menos uma série de várias vidas do seu “Dr Mabuse”. Pop com fôlego épico, suportada pela voz imponente de Claudia Brucken, contando a dada altura com uma sequência que pisca o olho a caminhos mais próximos do que habitualmente escutamos na música orquestral contemporânea, a canção “Dr. Mabuse” deu aos Propaganda um momento de afirmação que, mesmo sem o impacte comercial dos sucessores “Duel” e “P-Machinery”, lhes valeu desde logo uma demarcação de uma identidade sem par. O álbum que agora reune várias visões para este episódio de apresentação pode ser coisa apetitosa sobretudo para os admiradores do grupo e cultores da marca ZTT. Mas não deixa de ser um bom retrato de um tempo em que a pop buscava linguagens mais elaboradas, explorava as potencialidades de estúdio e ensaiava novos métodos de comunicação.
“Die 1000 Augen Des Dr. Mabuse”, dos Propaganda, está disponível em LP numa edição da Universal.





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