Importante força da geração pop electrónica que fez escola no Reino Unido na primeira metade dos oitentas, os Blancmange são muitas vezes secundarizados ou mesmo esquecidos perante carreiras de impacte planetário na altura. Quando muito acabam por vezes recordados, para não dizer reduzidos, a momentos como os que nos deram em “Don’t Tell Me” ou “Living on The Ceiling”, os dois singles de maior sucesso da sua discografia. A verdade é que este duo britânico – e sobretudo os seus dois primeiros álbuns, “Happy Families” (1982) e “Mange Tout” (1984) – não estão aquém do que por essa altura assinavam nomes hoje mais vezes recordados como os OMD, Human League, Soft Cell, Yazoo, Heaven 17 ou Depeche Mode, todos eles com créditos reconhecidos no mesmo comprimento de onda. 

À prática de uma pop luminosa feita com electrónicas os Blancmange juntavam uma postura vocal de mais evidente herança pós-punk e um gosto pelo exotismo nos temperos (que ganharia maior visibilidade ainda no projeto West India Company que Stephen Luscombe, um dos elementos do duo, editaria depois da primeira separação, na segunda metade dos oitentas). Após um longo hiato, os Blancmange reuniram-se e editaram o (algo inconsequente) “Blanc Burn” em 2011, tendo contudo, a partir de 2013, e reduzidos a Neil Arthur (Stephen Luscombe afastou-se por motivos de saúde ao ser-lhe diagnosticado um aneurisma na aorta), iniciado uma nova etapa que entretanto juntou mais 14 álbuns à obra dos Blancmange, tendo há poucas semanas sido lançado um ‘best of’ que documenta todo este percurso. 

Editado em maio de 1984, com primeiros sinais sugeridos meses antes nos singles “Blind Vision” e “That’s Love That It Is” (ambos editados ainda em 1983), o segundo álbum da dupla assinalou o seu momento mais significativo. Sem procurar uma inflexão de rumos, “Mange Tout” aprofundou antes a exploração de uma pop electrónica com gosto pelo trabalho de arranjos já antes experimentada em “Happy Families”, ocasionalmente, revelando o interesse pela procura de temperos noutras latitudes e um trabalho de arranjos orquestrais que acrescenta dimensões e cenografia para lá das arquiteturas eletrónicas. “Don’t Tell Me”, uma das últimas canções a entrar em cena na etapa de criação de maquetes, acabaria por revelar um episódio capaz de superar o impacte de “Living On The Ceiling”, garantindo aos Blancmange a resposta ao editor Chris Blackwell (que entretanto os passara a representar nos EUA), que lhes pedira mais canções com esse fulgor. 

Todavia, a escolher uma pérola maior entre o alinhamento deste álbum, o dedo aponta a “The Day Before You Came”, canção registada uns três anos antes em “The Visitors”, álbum que durante 40 anos foi apontado como o disco de despedida dos Abba. A canção, então editada como single, não repetiu o impacte que outros 45 rotações dos Abba haviam gerado Mas o tempo acabaria por transformar esta canção melancólica – e plena de ecos autobiográficos de um casal separado – num dos temas mais elogiados de toda a discografia dos Abba. Era uma canção essencialmente eletrónica, tanto que Benny Andersson foi o único instrumentista que nela trabalhou. E os primeiros sinais de que esta seria uma canção a registar na história dos Abba chegaram, não pela canção em si (coisa que o tempo resolveu, claro), mas através da versão assinada pelos Blancmange apresentada precisamente em “Mange Tout” e que teria uma edição em single. Note-se que, na verdade, a abordagem dos Blancmange não rompe em muito com as formas e arranjos da canção original, mas encaixa que nem uma luva no alinhamento deste álbum.

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