Entre 1984 e 85, quando os Dead or Alive venceram o espaço de nicho (e culto) em que haviam nascido e se transformaram num fenómeno pop com expressão global, as reações refletiam não apenas o apelo da música, mas também o choque da imagem. Ousado, provocador, de cabelos longos, desafiando desde logo códigos normativos de identidade de género (num quadro sublinhado pelo tom grave e marcante da voz, baralhando mais ainda os elementos em jogo), o vocalista da banda ganhava visibilidade e, com ela, chamava a si comparações que o colocavam ao lado de um Boy George ou Marilyn. Se na necessidade de demarcação de um espaço identitário havia ali eventuais afinidades, na verdade a mais importante das contribuições de Pete Burns e dos Dead or Alive para a cena pop de então alargara-se a outras frentes e dimensões, cabendo-lhes por um lado uma exploração de heranças (contemporâneas) do electro e hi-nrg – de origem americana, antes mesmo de nascidos os Pet Shop Boys e do encontrar da fórmula de sucesso da “tríade” Stock, Aitken e Waterman.
Conterrâneo e contemporâneo dos Echo & The Bunnymen, Teardrop Explodes; Mighty Wah ou dos Orchestral Maouevers in The Dark, Pete Burns ganhou notoriedade entre o balcão de uma das mais célebres lojas de discos de Liverpool e o palco do mítico Eric’s o clube que foi casa das movimentações pós-punk na cidade e que ali dava a conhecer uma nova geração de nomes para a sua marcante história de contribuições para a música britânica. A sua primeira banda, a que chamou The Mistery Girls, era um trio que, integrava a presença de Pete Wylie, um dos elementos dos Crucial Tree (a banda fundadora desta movimentação e que o juntava a Julian Cope e Ian McCulloch). Separaram-se depois de uma atuação, seguindo Pete Burns a caminho dos Nightmares on Wax, banda na qual explorou uma aproximação a cenografias góticas, que se mantiveram ainda evidentes quando, depois de 1980, a banda mudou de nome para Dead or Alive, estreando-se nos discos logo nesse ano com single “I’m Falling”. A banda era nessa altura composta por cinco elementos, entre os quais Steve Coy (que acompanharia todas as etapas da sua história ao lado de Pete Burns) e Wayne Hussey, o guitarrista, que pouco depois formaria os The Mission (que têm nesta etapa dos Dead or Alive um evidente antecessor).
Um fascínio pelo som da música de dança que por aqueles dias ganhava forma nas noites de Nova Iorque levou os Dead or Alive a afastar-se progressivamente das guitarras, assimilando pistas do electro e do hi-nrg, que transformam radicalmente o seu som quando, depois do single que assinala transição (“Misty Circles”, 1983), lançam em 1984 o álbum de estreia “Sophisticated Boom Boom”, no qual integram uma versão de “That’s The Way I Like It” dos KC & The Sunshine Band, que lhes dá um primeiro êxito maior. Deste disco vale contudo a pena evocar peças mais visionárias como “I’d Do Anything” ou “What I Want”, pelas quais passam as tais heranças da dance music nova-americana de então.
Caberia contudo ao passo seguinte o momento da revelação para um público alargado. Uma nova canção levantava possibilidades que a banda quis explorar junto de um novo trio de produtores que, em 1984, tinha revelado, entre singles como “You Think You’re a Man” de Divine ou “Whatever I Do (Wherever I Go)” de Hazel Dean, uma abordagem eficaz e empolgante à pop por vias da assimilação de pistas do som hi-nrg (este com berço nas noites de San Francisco como herdeiro natural do disco, em finais dos anos 70). É assim que surge “You Spin Me Round (Like a Record)”, que dá ao trio de produtores Stock, Aitken & Waterman o seu primeiro número um e abre terreno para fazer do álbum “Youthquake”, também criado sob a mesma parceria em estúdio, o momento de maior sucesso discográfico da história da banda, continuando o impacte do single de apresentação com os subsequentes “Lover Come Back To Me”, “In Too Deep” e “My Heart Goes Bang”.
A carreira dos Dead or Alive não seria contudo capaz de resistir às armadilhas que por vezes o sucesso coloca em frente a um momento de impacte global. Em 1986 o álbum “Mad, Bad and Dangerous to Know”, ainda produzido pelo mesmo trio, pouco juntou ao que antes fora dito, deixado de memorável apenas o single “Something In My House”, acrescentando mesmo assim a essa etapa de maior sucesso canções como “Brand New Lover”, “Hooked On Love” e “I’ll Save You All My Kisses”. Depois seguiu-se um apagar gradual da imaginação e do consequente impacte dos discos. O autoproduzido “Nude” (1989) revelou os últimos sinais de relacionamento com uma plateia global e também a derradeira parceria com o trio de produtores em “Turn Around And Count 2 Ten”. Os quase invisíveis “Fan The Flame (Part 1)” (álbum de 1990 que já só teve edição no Japão, onde Pete Burns não perdeu nunca o estatuto de pop star), “Nukleopatra” (disco de 1995 que inclui o vitaminado “Sex Drive” e um discurso identitário bem marcado na canção-título) e” Fragile” (de 2000 com inéditos, regravações e remisturas) passaram longe das atenções, ao mesmo temo vincando um estatuto de culto que, apesar do impacte do clássico “You Spin Me Round”, é o que desde então molda a relação de muitos com a memória dos Dead or Alive.
Apesar de nunca terem desativado a banda, depois da viragem do milénio Pete Burns e Steve Coy pouco acrescentaram à sua discografia além de reedições e remisturas, algumas com algum impacte mediático causado pela exposição televisiva conquistada pelo vocalista, entretanto feito estrela da reality TV. A caixa recentemente editada, que surge oito anos após “Sophisticated Boom Box MMXVI” (com 18 CD e 3 DVD) olha agora para a quase totalidade da obra em single dos Dead or Alive. “Quase” porque, apesar de incluir os singles da etapa de ligação à Epic Records (1983-1995) e das várias edições posteriores em pequenas etiquetas, “Still Spinnin’ (The Singles Collection 1983 – 2021)” deixa de fora as gravações pré-“Misty Circles” – ou seja os singles “I’m Falling” (1980), “Number Eleven” (1981) e “The Stranger” (1982), bem como o EP “It’s Been Hours Now” (1982), na verdade todos eles recentemente reunidos na compilação “Let Them Drag My Soul Away: Singles, Demos, Sessions And Live Recordings 1979-1982”, apresentada pela Cherry Red no ano passado. Juntando os 27 singles editados pelos Dead Or Alive entre 1983 e 2021, a caixa inclui, além dos êxitos da etapa que termina com “Turn Around And Count 2 Ten” uma série de títulos posteriores que não conheceram o mesmo poder de comunicação, mas entre os quais há peças interessantes como o já citado “Sex Drive” (de 1997, onde o electro dá um abraço pop ao techno), diversas revisões menores de “You Spin Me Round” (duas nos anos 90, uma já no novo milénio), dois singles de versões (um, de 1994, com “Rebel Rebel” de Bowie, outro, de 2007, juntando “Even Better Than The Real Thing” dos U2, “Pop Life” de Prince e “Why It’s So Hard” de Madonna e alguns momentos mais esquecidos (alguns deles de facho de cepa menor) como “Come Home With Me Baby” (1989), “Baby Don’t Say Goodbye” (1989), “Your Sweetness (Is Your Weekness)” (1990), “Been Gone Too Long” (1991), “Unhappy Birthday” (1991), “Hit and Run Lover” (2000), “Tonight” (2021) e “Hurt Me (Did U Have 2 Hurt)” (2021). Pena o tom ligeiro das liner notes. Continua a faltar, pelo menos nos booklets, um discurso sólido sobre a obra dos Dead or Alive, a figura de Pete Burns e demais colaboradores seus.

“Still Spinnin’ (The Singles Collection 1983 – 2021)” é uma caixa de 27 CD editada pela EDSEL.





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