Das memórias de gravações célebres de Gil Evans, Miles Davis, Michel Legerand ou Quincy Jones ao mais recente (e deslumbrante) disco de 2021 que juntou o projeto Floating Points (de Samuel Shepherd) a Paraoh Sanders e a London Symphony Orchestra, a história do relacionamento da orquestra com o jazz somou já uma série de momentos daqueles que o tempo acaba por reconhecer como obra(s) prima(s). E neste 2024, que assinala a passagem do centenário sobre o primeiro diálogo entre a diversidade de cores e possibilidades de uma orquestra de concerto e o jazz, que aconteceu em 1924, em Nova Iorque, na noite da estreia mundial de “Rhapsody In Blue” de George Gershwin, eis que entra em cena mais um álbum para figurar neste mesmo panteão de discos que traduzem episódios de exceção nesta história de encontros. É assinado por Bill Frisell, mas na verdade, e como sucede com qualquer disco que envolva um tamanho grupo de músicos, é um esforço coletivo que envolve uma orquestra belga e uma outra, italiana.

“Orchestras”, na verdade, nasceu de experiências em palco entre 2021 e 2022, uma materializada com a Filarmónica de Bruxelas, de 60 elementos, outra com a mais pequena Umbria Jazz Orchestra, constituída por 11 músicos. Entre ambas são partilhadas peças de diversos autores, entre os quais naturalmente está (em destaque) o próprio Frisell, com espaço ainda para a presença de um velho tradicional carregado de significados (“We Shall Overcome”). Cruzam-se assim tempos e espaços, ora evocando Billy Strayhorn ora escutando o mítico Ron Carter ou o próprio Michael Gibbs, que também assina aqui os arranjos para orquestra. Se o jazz está no epicentro, a folk habita a música também de perto, definindo terrenos que não deixarão indiferente quem costuma seguir de perto os relacionamentos da música com o cinema numa proposta profundamente visual (experimente-se a erupção de cor e luz que podemos imaginar ao escutar esta leitura de “Rags” de Frisell). Os contrastes naturais que as próprias formações de ambas as orquestras desde logo sugerem alargam o espectro de rotas que tomam a guitarra de Bill Frisell como um protagonista que contudo não toma aqui nunca o papel de uma destacada presença solista. De resto, Frisell (guitarra elétrica), Thomas Morgan (baixo) e Rudy Royston (bateria) aceitam aqui o jogo de se diluir entre as orquestras, sublinhando a ideia de partilha e esforço comum que habita todo o projeto. Um dos grandes discos de 2024 anda por aqui!

“Orchestras”, de Bill Frisell está disponível em 2LP, CD e nas plataformas de streaming numa edição da Blue Note.

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