Há editoras cujo percurso editorial nos ajudam a contar episódios ou até mesmo segmentos maiores da história da música. A Motown nasceu a escutar a emergente soul na Detroit dos sessentas, procurando caminhos de comunicação a públicos mais alargados. A Real World surgiu, em final dos oitentas, para criar olhares sobre geografias diversas num tempo em que a world music ganhava maior expressão de mercado. A Talkin’ Loud fixou um momento de reencontro do jazz com a música popular na alvorada dos noventas. Apesar de ter trabalhado depois num âmbito alargado, a Som Livre surgiu no Brasil na viragem dos anos 60 para os 70 para, acima de tudo, explorar ligações entre a música e a televisão, com particular foco nas telenovelas da Globo, tendo, de resto, nascido dentro do mesmo grupo empresarial da rede de TV.
Com o mítico João Araujo (o pai de Cazuza) como timoneiro, a editora começou por nascer como Sigla Lda – Sistema Globo de Gravações Audiovisuais, adotando depois o nome de um programa de televisão recente, a Som Livre foi consequência de uma aposta editorial da TV Globo (criada em 1965), que procurou levar aos horários nobres telenovelas com temáticas e personagens que retratassem o quotidiano brasileiro (mesmo que as tramas levassem as narrativas para outras épocas ou lugares distintos dentro do país). A essa mudança temática a aposta da TV Globo juntou a música, começando por chamar produtores para, com apurada curadoria, selecionarem canções e artistas para as respetivas bandas sonoras. Com o tempo a curadoria sobre gravações disponíveis passou a apostar na criação de originais, gerando fenómenos de sucesso que, através dos discos, amplificariam não só o êxito da música mas a notoriedade da própria telenovela à qual nascera associada. A criação, em 1969, de uma editora com estes fins, foi assim uma aposta com esses dois fins em vista, revelando-se, sobretudo nos anos 70 e 80, a casa mãe de alguns dos maiores êxitos discográficos do Brasil, envolvendo figuras como Gal Costa, Caetano Veloso, Toquinho, Vinicius de Moraes ou Elis Regina, entre muitos mais.
A história da editora, que podemos ler em “Som Livre – Uma Biografia do Ouvido Brasileiro”, de Hugo Sukman, mostra como a editora foi pensada com vistas largas, aceitando com desafio e ousadia algumas apostas para além do universo das novelas, tendo sido a casa de títulos marcantes como o foi “Acabou Chorare” dos Novos Baianos ou o álbum de 1977 de Tim Maia, encontrando em nomes como os de Djavan ou Rita Lee alguns dos seus rostos de referência.
Da memória mais remota de “O Cafona” (1971), que gerou a primeira “trilha sonora” editada pela Som Livre, a telenovelas com canções que ficaram fixadas na memória coletiva como “O Bem Amado”, “Gabriela”, “O Casarão”, “Água Viva” ou “Roque Santeiro”, entre tantas outras, envolvendo ainda fixação da criação do genérico do “Fantástico” ou as canções do “Sítio do Picapau Amarelo”, a história da Som Livre contada nestas páginas está cheia de canções que se cruzam frequentemente te com memórias de narrativas. Ao mesmo tempo o livro traça o perfil daqueles que foram moldando as diversas etapas de vida da editora e, ainda, a forma como esta se foi adaptando, como empresa, às transformações que o meio foi conhecendo até ao momento em que abou por ser vendida, em 2021.
“Som Livre – Uma Biografia do Ouvido Brasileiro”, de Hugo Sukman, é um volume de 239 páginas, numa edição da Globo Livros.





Deixe um comentário