Descendente de uma longa e antiga dinastia de músicos, Toumani Diabaté, ficou sobretudo conhecido como sendo um dos maiores (senão mesmo o maior) tocador de kora, instrumento tradicional com presença maior na música do Mali. Filho de um outro mestre da kora, Sidiki Diabaté 1922-1996), pai de um outro ilustre tocador do mesmo instrumento (e que tem o mesmo nome do avô), perpetuando assim o percurso “dinástico” desta família, Toumani Diabaté nasceu em Bamako em 1965 e deixou-nos há poucos dias, com apenas 58 anos. 

Expressão de um talento revelado em finais dos anos 80, o percurso artístico de Toumani Diabaté espelha, nos primeiros anos de atividade discográfica, o fulgor do aparecimento de um movimento de interesse generalizado pelas músicas do mundo. A sua música soube expressar, por um lado, uma relação segura com as tradições ancestrais que representava, fixada, por exemplo, em “New Ancient Strings / Nouvelles Cordes Anciennes”, álbum de 1999 partilhado com Ballaké Sissoko, disco que ecoava a memória do histórico “ Cordes Anciennes – Première Anthologie De La Musique Malienne”, de 1971, onde tocavam os pais de ambos os músicos. Mas, além dessa dimensão de raiz, a obra em disco de Toumani Diabaté partilhou sobretudo experiências (e diálogos) com músicos de outras tradições e geografias. E, entre a sua estreia em 1988 e o seu mais recente álbum, editado em 2023 (uma parceria com o iraniano Kayan Kalhor), a discografia do músico do Mali juntou as presenças de nomes tão diferentes entre si como os Ketama, Taj Mahal, Rosewell Rudd, Ali Farka Touré, Ry Cooder, Arnaldo Antunes, o francês M ou a islandesa Björk (neste caso numa colaboração numa das canções do álbum “Volta”, de 2007).

Entre os momentos maiores da discografia de Toumani Diabaté conta-se um episódio nascido de um desafio lançado na primeira década do século pelo londrino Barbican Center com vista à criação de um concerto único na companhia da London Symphony Orchestra. A orquestra, que curiosamente lançou esta gravação de 2008 no mesmo ano em que criou o álbum “Promises”, nascido de uma parceria com o projeto eletrónico Floating Points e com o saxofonista de jazz Pharaoh Sanders, materializou em palco um conjunto de ideias que nos fazem recuar a 1987, o ano em que um então muito jovem Toumani Diabaté se apresentou em Londres pela primeira vez, levando consigo a música que ficaria registada em “Kaira” (1988), o seu álbum de estreia, que fixou momentos que logo levantaram reflexões sobre inesperadas afinidades com a música de Bach. 

Esta ponte possível estava na mente do maestro Clark Rundell por ocasião do primeiro encontro que teve com o mestre tocador de kora, em Manchester, em 2008. Desse encontro nasceu um desafio lançado por Toumani Diabaté, que gostava de levar uma composição inédita ao concerto, tanto que ali mesmo fez um a gravação de uma ideia que tinha já em mente, daí acabando depois por nascer “Haïamadi Town”, que abriria o alinhamento. Os álbuns “The Mandé Variations” (então ainda inédito) e do clássico recente “In The Heart Of The Moon” (maravilhoso disco de 2005 partilhado com Ali Farka Touré) serviram depois de ponto de partida para a moldagem de ideias, que convocaram o trabalho de arranjos de Ian Gardiner, definindo os caminhos para um projeto que depois ganhou mais dimensões com as contribuições (igualmente nos arranjos) de Nico Muhly. Em palco, Toumani Diabaté e a London Symphony Orcherstra protagonizaram um diálogo inédito, que deixou bem evidente a linguagem única deste mestre do Mali em cuja música se cruzam as linhas tradicionais herdadas do pai com um sentido de lirismo que, de certa forma, chegou a Toumani Diabaté pelo canto que escutava tanto na voz da sua mãe como, mais tarde, na da sua madrasta. Esta confluência de caminhos, numa noite que convocou outros mais músicos do Mali, entre os quais o célebre griot Kassé Mady Diabaté, mora na alma de “Kôrôlén”, álbum editado em 2021 que fixa a memória deste concerto de 2008, e traduz um momento histórico que, mesmo assente em coordenadas geográficas e heranças, dilui tempos e lugares numa experiência rara e única. 

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