Descobrimo-lo por volta do ano 2010, com um rosto com um olho negro, aparentemente esmurrado, que nos encarava ao mesmo tempo que começávamos a ler textos sobre um jovem cantautor norte-americano que enfrentava os seus medos para, através de canções delicadas e de deliciosa fragilidade, falar-nos de si e do seu mundo. Quatro anos depois, as imagens que acompanharam o lançamento de “Too Bright”, o seu terceiro álbum, revelam a pose de quem, em vez de ser sovado, era agora aquele que dava os murros e apontava o dedo. Não que tenha conquistado todos os patamares na escala da segurança (sendo contudo verdade que o facto que editar discos, levar as canções ao palco e falar com muita gente pelo mundo fora terá ajudado). Mas o homem que em 2014 nos apresenta um terceiro conjunto de canções ganhara fôlego para, depois de encarado o mundo, o comentar e criticar.
Se “Learning” (a estreia, em 2010) trouxe a surpresa e o sucessor “Put Your Back N2 It” (2012) sublinhou que havia ali muito mais do que um primeiro punhado de ideias, ao chegar ao terceiro álbum que edita sob o nome Perfume Genius, Michael Hadreas confirmava em pleno que não só era um dos mais inspirados cantautores da sua geração e que conseguira já inscrever através da sua obra uma personalidade demarcada que dele fazia já uma voz única e claramente distinta. Com “Too Bright” Michael Hadreas revelava-se mais do que nunca uma figura de referência na alvorada do século XXI, correspondendo a sua obra musical e visual, ainda em construção, a uma das mais importantes contribuições para uma mais plural representação identitária através da arte. E porque a arte é política, “Too Bright” acabava assim por ser um dos mais importantes contributos neste mesmo espaço, se bem que sem uma agenda tão focadamente ativista como o fizeram os The Knife no então bem recente “Shaking The Habitual”.

Ao apresentar o álbum com canções como “Queen” (onde há uma intensidade cénica que convoca memórias de um Bowie de finais de 70) ou “Grid” (que experimenta uma pulsão rítmica como a sua música antes nunca ensaiara), Perfume Genius deixou claro o alargamento de horizontes que este disco propunha, sem que tal implicasse uma rutura com o espaço da balada na qual que a voz dialoga quase solitária com o piano, muito presente nos seus primeiros discos. A ligação a este espaço é algo que, de resto, o tema de abertura “I Decline” desde logo assegura.
Há contudo entre as canções novos desafios no plano da instrumentação e produção (e a presença de Adrian Utley, dos Portishead, ajudou certamente a assegurar a nitidez de novas formas mais elaboradas e intensas), mantendo-se contudo bem firme uma escrita que convoca memórias e cruza personagens em que a dor e as lutas estão patentes (como nos discos anteriores), desta vez todavia com ira onde antes muitas vezes havia mais murmúrios e uma autoconfiança em busca de vencer assombrações de outros tempos. Liricamente seguro, musicalmente mais ousado e implicando uma relação física mais intensa na interpretação “Too Bright” é daqueles raros terceiros discos que deixam claro a solidez da construção de uma obra já com visão de carreira.





Deixe um comentário