NACIONAL

O ano nacional traduziu em discos a vasta diversidade de frentes pelas quais a música que se faz entre nós hoje caminha. Nos 50 anos do 25 de Abril a música de José Mário Branco esteve em evidência através de três álbuns de homenagem, em todos os casos traduzindo histórias ou episódio de relacionamento anterior com essa figura maior na história da música portuguesa que nos deixou há cinco anos. JP Simões, que tinha já participado num disco de tributo, gravou todo um álbum de canções de José Mário Branco. Os Canto Nono, que com ele trabalharam em “Sons do Porto – A Cidade a oito vozes” e num arranjo para a “Etelvina” de Sérgio Godinho”, fixaram em disco o espetáculo “A Força (O Poder) da Palavra – Um Canto a José Mário Branco”. E já na reta final do ano foi a vez de Camané apresentar a gravação de um espetáculo de homenagem levado ao palco do CCB. De certa maneira (e não à margem), esta genética é (naturalmente) partilhada pelos Miss universo, autores de uma das mais surpreendentes estreias do ano, levando ao seu “Manifesto do Jovem Moderno” uma expressão de personalidade firme que aceita heranças da canção de protesto (sobretudo no modo de fixar na canção um olhar sobre um aqui e um agora), manifestando ao mesmo tempo sinais outras aprendizagens, não sendo de somenos notar-se, entre a paleta de referências, a relevância (cada vez mais notória em novas gerações de bandas) da escola Ornatos Violeta, não apenas na música como na própria relação com o labor de construção da palavra. Para a história de 2024 feita entre nós com discos e canções note-se ainda um peso considerável de fenómenos de atenção sobre heranças da música popular portuguesa, devidamente encarados segundo perspectivas inovadoras, contemporâneas e marcadas pela personalidade dos músicos. De Ana Lua Caiano ao encontro dos Karetus com Vitorino com Iolanda, estes 12 meses mostraram como do Portugal profundo podem chegar pistas para escrever uma nova etapa na história da música popular portuguesa. Depois de experiências pioneiras de João Aguardela nos Megafone ou até mesmo as registadas no derradeiro álbum da Sétima Legião, o ano 2024 deu voz a vários encontros possíveis entre tradição e modernidade.

Ana Lua Caiano “Vou Ficar Neste Quadrado”

Benjamim “As Berlengas”

Camané “Camané ao Vivo no CCB – Homenagem a José Mário Branco”

Canto Nono “A Força (O Poder) da Palavra”

Joana Espadinha “Vergonha na Cara”

JP Simões “JP Simões Canta José Mário Branco”

Lena d’Água “Tropical Glaciar”

Lina “Fado Camões”

Miss Universo “Manifesto do Jovem Moderno”

Samuel Úria “2000 AD”

NACIONAL (SINGLES E EPs)

É certo que muitos dos “singles” e EP nascidos entre nós este ano não tiveram senão lançamento digital mas essa opção editorial não menoriza o que estes pequenos formatos acrescentaram às respetivas discografias. As homenagens d’A Garota Não ou Capicua a Sérgio Godinho ou a nova leitura de Milhanas para o clássico que Maria Guinot levou à Eurovisão em 1984 revelaram episódios de afirmação de grandes capacidades interpretavas em vozes que são reconhecidos talentos autorais. Nota ainda, entre os títulos novos, para uma experiência de Carminho no estúdio mítico de Steve Albini, num EP que inclui um dueto com Caetano Veloso que o Coliseu dos Recreios viu ao vivo em 2023 aquando da mais recente passagem do músico baiano entre nós. 

A Garota Não “Diga 33”

Bandua “Pena no Peito”

Capicua “Que Força É Essa Amiga”

Carminho “Carminho At Electrical Audio”

Milhanas “Silêncio e Tanta Gente”

BRASIL

Liniker era já reconhecida como tendo sido a primeira artista trans a vencer um Grammy Latino, como ocupa, desde 2023, a 51ª Cadeira da Academia Brasileira de Cultura, lugar que antes estava atribuído a Elza Soares. Em 2024 juntou a este rol de feitos um álbum magistral. Pessoal na escrita, “Caju” revela um salto que nem os mais otimistas poderiam imaginar e coloca-nos perante um dos títulos maiores que a música brasileira nos deu a escutar nos últimos anos. O disco convoca musicalmente uma série de rotas e destinos da música brasileira, criando um ponto de confluência que junta a cultura R&B contemporânea ao sentido eloquente do classicismo da MPB orquestral, num terreno alargado que escuta ainda ecos do pagode, do jazz, do samba rock, do brega, do disco sound, de uma pop com travo soul, da house ou da cultura afro-caribenha, num alinhamento que convoca, entre outras, colaborações com o pianista Amaro Freitas ou o coletivo BaianaSystem). Para mim foi mesmo “o” álbum do ano.

Arnaldo Antunes + Vitor Araujo “Lágrimas no Mar (Ao Vivo)”

Boogains “Bacuri”

Bruno Berle “No Reino dos Afetos 2″

Dora Morelembaum “Pique”

Liniker “Caju”

Malu Maria “Nave Pássaro”

Papisa “Amor Delírio”

Silvia Machete “Invisible Woman”

Sofia Freire “Ponta da Língua”

Trago “Trago”

POP/ROCK

Aos 63 anos, depois de marcantes percursos feitos entre bandas como os Pixies, Breeders ou Amps, ou até mesmo colaborando pontualmente com nomes como os Sonic Youth, This Mortal Coil ou Ultra Vivid Scene, Kim Deal resolveu gravar um álbum em nome próprio. E em “Nobody Loves You More” deu-nos a escutar uma das mais belas coleções de canções do ano, num disco pleno de marcas que cruzam a genética de algumas experiências do seu percurso, mas que, apesar de um ou outro episódio com eletricidade mais pronunciada, a revela mais frágil e polida do que nunca. 

Beth Gibbons “Lives Outgrown”

Bill Ryder Jones “Icheyd Da”

Billie Eilish “Hit Me Hard and Soft”

John Grant “The Art of The Lie”

Kim Deal “Nobody Loves You More”

Nick Cave & The Bad Seeds “Wild God”

Pet Shop Boys “Nonetheless”

The Cure “Songs Of A Lost World”

Vampire Weekend “Only God Above Us”

Vera Sola “Peacemaker”

JAZZ / EXPLORATÓRIA / CLÁSSICA

Fotógrafo, com trabalhos feitos também em vídeo, com uma agenda regular de exposições desde o início do século e diversos prémios entretanto conquistados, o parisiense Oan Kim não parece muito dado à ideia de ter tempos livres… E juntou ao trabalho na fotografia, vídeo e como professor Universitário uma outra frente criativa: a música. E um ano depois da sua estreia em disco com “Oan Kim and the Dirty Jazz” eis que apresenta em “Rebirth of Innocence” um segundo capítulo a uma história que não podemos deixar passar longe das nossas atenções.

Amaro Freitas “Y’Y”

Bill Frisell “Orchestras (Live)”

Brad Mehldau “Après Fauré”

Charles Lloyd “The Sky Will Be There Tomorrow”

John Adams “Girls Of The Golden West”

Laurie Anderson “Amelia”

Marion Rampal “Oizel”

Nubya Garcia “Odyssey”

Oan Kim & The Dirty Jazz “Rebirth Of Innocence”

Philip Glass + Katia e Marielle Labeque “Cocteau Trilogy”

Uma resposta a “Os melhores discos de 2024 (novos lançamentos)”

  1. Avatar de João Carlos Araújo
    João Carlos Araújo

    Gostei bastante.

    Só tive pena, no pop/rock, não estar o álbum magnífico da Kim Gordon.

    Abraço

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