Nada como a banda sonora de um filme para dar vida a um velho disco. Que o diga “Carlos, Erasmo”, álbum de 1971 de Erasmo Carlos, disco que assinalou então a sua estreia no catálogo (galático) da Phillips brasileira e que, vincou, depois do exercício de transição assinalado no anterior “Erasmo Carlos e os Tremendões” editado no ano anterior e pelo qual o músico iniciara a busca de novas possibilidades após o desfecho de uma etapa pop/rock mais juvenil que iniciara a bordo dos Sheiks (brasileiros) uns dez anos antes e que dele havia feito, juntamente com o grande parceiro Roberto Carlos e Tim Maia (que o ensinara a tocar guitarra), um dos heróis do movimento que ficou consagrado com o nome de um programa de televisão: a Jovem Guarda.
Integrada na banda sonora do filme de Walter Salles “Ainda Estou Aqui” (ainda sem expressão em disco, na verdade não existindo nas plataformas digitais senão na forma de playlists), a canção “É Preciso dar um Jeito Meu Amigo”, a terceira da face A deste álbum de 1971, ganhou fôlego nestas últimas semanas pelo Brasil, mais ainda depois da atribuição do Globo de Ouro a Fernanda Torres. Animada por um arranjo de cordas, que dialoga com a sua estrutura elétrica (onde ressalta a guitarra de Lanny Gordin), a canção, composta em parceria com Roberto Carlos, reflete sobre o clima que se vivia num país em tempo de ditadura, e é um dos vários exemplos da demanda de busca, já com resultados bem evidentes, que este álbum operou na obra de Erasmo Carlos. Para trás ficavam as narrativas mais pueris de canções que tinham cativado a atenção de uma nova geração de brasileiros, em seu lugar surgindo uma música mais elaborada e palavras que refletiam sobre género e sociedade, sexo ou consumos ilícitos (a faixa “Maria Joana” deu então que falar)… Da balada de inspiração bíblica ainda marcada por ecos do psicadelismo em “Sodoma e Gomorra” ao festim com aroma soul e funk de “Mundo Deserto”, o álbum é um precioso documento de um mestre a caminho da plenitude da sua identidade artística.

Já agora vale a pena notar outros momentos mágicos da banda sonora de “Ainda Estou Aqui”, filme inspirado por factos reais envolvendo a figura de um político sequestrado e assassinado em plena ditadura militar, observando o sucedido no plano familiar tomado como protagonista Eunice Paiva, sua mulher, mãe do jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva que depois relatou estes momentos no livro homónimo que inspirou Walter Salles. Entre música de época – de Tim Maia, Roberto Carlos, Gal Costa, Mutantes, Tom Zé, Erasmo Carlos ou Serge Gainsbourg – e contribuições de outros tempos ou geografias que juntam ao alinhamento nomes como os de Cesária Évora, Caetano Veloso ou Johann Johansson, a música de “Ainda Estou Aqui” serve mais do que uma mera cenografia ao filme. E justificava até uma edição em disco…





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