Quarenta anos depois sabe bem reencontrar uma voz que, nos seus dias de sucesso em grande escala (ou seja, entre 1984 e 1986) não correspondia aos sabores mais valorizados pela crítica mas que, na verdade, era mais do que um mero autor e intérprete de canções de sucesso. A caixa que agora recupera a obra que gravou e editou pela MCA entre 1983 e 1989 sugere não apenas que a opinião fixada, sobretudo nas páginas dos periódicos musicais da época, não olhava atentamente (como hoje acontece) para a cultura pop, como retrata todavia o percurso de um músico que resolveu ousar romper o que seria esperado quando vivia um momento de sólido sucesso junto do grande público.
Nascido em Bristol em 1958, com um primeiro percurso feito entre bandas (entre as quais os Fusion, que em 1980 gravaram o álbum “Till I Hear From You”), Nik Kershaw deu consigo com um punhado de canções quando, em 1982, esta sua última banda se separou. Bateu à porta das mais diversas editoras, recebeu uma sucessão de respostas negativas até que, com as mesmas maquetes na mão, um manager que entretanto surge após um anúncio que o próprio Nicolas Kershaw (o seu nome real) coloca na imprensa musical, consegue um acordo com a MCA, que lhe abre a porta não apenas a um estúdio mas também ao trabalho com um produtor. E eis senão quando, partido do que circulava naquelas maquetes, o já experiente Peter Collins pega numa das canções, dá-lhe uma volta na própria forma e assim nasce “I Won’t Let The Sun Go Down On Me”, um single de estreia que chega às lojas em finais de 1983, assinado por Nik (saindo o “c” do Nick dos tempos dos Fusion) Kershaw.

Na verdade o single não teve o impacte sonhado longo à primeira, cabendo ao seguinte “Wouldn’t it be Good” (já em 1984) o efeito de quebrar o gelo, nascendo então uma sucessão de êxitos que, até 1986, fariam de Nik Kershaw uma figura de popularidade evidente no panorama de uma nova canção pop que tinha assimilado a presença dos sintetizadores e apostava em opções de produção (muito em voga) que tiravam também partido de novas ferramentas disponíveis em estúdio. O período de maior impacte pop(ular) de Nik Kershaw corresponde ao que foi definido pelos seus dos primeiros álbuns e respetivos singles. “Human Racing” (1984) mostrava todavia que a escrita de Nik Kershaw não se esgotava no desenho de canções pop com grande potencial de comunicação, guardando o alinhamento uma série de pequenas pérolas (como “Bogart” ou “Drum Talk”) que vale a pena (re)descobrir. O mesmo se pode dizer do sucessor “The Riddle”, editado nove meses mais adiante, ainda em 1984, reunindo uma coleção de novas canções, uma vez mais repetindo os caminhos estéticos trilhados no álbum de estreia, juntando à pop doce do tema-título as visões cenicamente elaboradas que escutávamos em “D. Quixote” ou “Save The Whale”.
Mas o mundo da pop, quando ligado à máquina trituradora dos sucessos em grande escala, avança por vezes a uma velocidade que nem sempre se compadece com a ideia de pausa… E depois de um 1985 com apenas um novo single editado (“When a Heart Beats”, o primeiro a não chegar ao Top 20 britânico), um terceiro álbum, produzido pelo próprio Nik Kershaw não mostrou vontade em apontar a novos rumos no plano estético. E, mesmo guardando em si canções como “James Cagney” ou o próprio tema-título, “Radio Musicola” e algumas reflexões sobre sucesso e fama, o álbum de 1986 sugeriu que o momento definido pelos dois discos de 1984 se estava a dissipar, alerta que possivelmente apontou à escolha de Los Angeles e de um produtor norte-americano (Peter Wolf) para gravar um quarto álbum. Contudo a gestação de “The Works” não correu bem e Nik Kershaw, ao regressar ao Reino Unido, remistrou todo o disco e, chamando Julian Mendelssohn, criou duas novas canções (“One Step Ahead” e “Elisabeth’s Eyes”) que acabariam por representar as escolhas para single. Apesar do esforço, o álbum passou longe das atenções, tendo então representado um ponto final na ligação à editora, passando então Nik Kershaw a destacar sobretudo o seu trabalho como autor para outras vozes, regressando apenas aos discos em nome próprio nove anos depois.
A caixa “The MCA Years” conta esta etapa do trajeto de Nik Kershaw. Os quatro primeiros CD correspondem, tal como os conhecemos, aos álbuns “Human Racing” (1984), “The Riddle” (1984), “Radio Musicola” (1986) e “The Works” (1989). Seguem-se um CD com os lados B dos singles deste período, outros dois com as versões longas dos máxi-singles (algumas delas bem desafiantes) e um quarto com edits para as edições em single e algumas mais remisturas (estas de interesse menor). O lote de dez CD inclui ainda, em dois discos, a gravação de um concerto no Hammersmith Odeon (Londres) em 1984. Além destes dez CD a caixa inclui um booklet com texto do próprio Nik Kershaw e um DVD que junta os 13 telediscos criados neste período e o registo em vídeo de parte do mesmo concerto londrino. O mapa dos acontecimentos fica assim bem desenhado. E vale mais do que a mera soma dos singles deste período. Pena apenas a ausência de maquetes (como a da tal versão original de “I Won’t Let The Sun Go Down On Me”) ou eventuais inéditos. Mesmo assim, fica aqui um retrato de uma estrela pop dos oitentas que, apesar de uma obra posterior (sobretudo como autor), acabou votado aos circuitos das nostalgias.
“The MCA Years”, de Nik Kershaw, é uma caixa de 10 CD + 1 DVD editada pela Cherry Red.





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