Carlos Paredes estava atento às transformações que a música portuguesa estava a viver na rota de aproximação aos anos 70. E, apesar de sobretudo focado numa relação com a música instrumental, notou que a história da canção popular estava a conhecer importantes novos episódios. Admirador do trabalho de Lopes Graça, Paredes vira recentemente a canção popular portuguesa a assimilar uma nova relação com os poetas, algo que tanto aconteceu no álbum de Amália que ficou conhecido como “Busto” como através de primeiros discos de Luís Cília, Adriano Correia de Oliveira ou até José Mário Branco (cujo EP de estreia abordou antigos cancioneiros). E isto sem secundarizar um mapa em transformações também no terreno dos cantautores, com José Afonso claramente como referência maior… É neste contexto que, estando ainda por cima casado então com uma cantora, o guitarrista toma uma decisão que não voltaria a repetir: gravar um álbum de canções.
O álbum, com assinatura partilhada entre a cantora Cecília de Melo e Carlos Paredes, está dividido em duas faces distintas, somando ao todo 12 faixas. No lado A encontramos uma seleção de seis canções tradicionais portuguesas sobre as quais Paredes propõe novos arranjos para voz e guitarra. Na outra face o guitarrista parte de composições suas sobre as quais ajusta poemas de Manuel Alegre, Mário Gonçalves, Carlos de Oliveira e ainda um sexto, “O Render dos Heróis”, de origem popular. O caminho seguido nesta face B corresponde, como explicava então o próprio Carlos Paredes no texto da contracapa, “ao sistema que se tem revelado (…) mais capaz de aproximar a canção popular urbana e ligeira da autêntica canção popular” que, como explica, “consiste em incrustar em melodias de caráter ligeiro poemas representativos, pelo conteúdo e pela qualidade, da experiência e do sentir do povo, nos nossos dias”.

O guitarrista, que como explica Octávio Fonseca no livro “Carlos Paredes – A Guitarra de um Povo”, valorizava a palavra sobre a música quando se tratava de uma canção, conheceu de facto aqui um espaço único e irredutível, só voltando a encarar a possibilidade de criar um disco vocal quando registou, anos depois, uma parceria (declamada) com Manuel Alegre. Este álbum, editado em 1970, apresenta na capa uma fotografia de uma produção da peça “O Render dos Heróis” (sobre texto de José Cardoso Pires), numa encenação de Fernando Gusmão. Ali, no papel do Cego, Rui de Carvalho cantava a canção, com música de Carlos Paredes, feita para o poema que dava título à peça e que neste disco naturalmente escutamos na voz de Cecília de Melo (que vemos, numa pequena foto, na contracapa do LP).





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