Este ano andei mais pela clássica, sobretudo escutando obras e compositores dos séculos XX e XXI. Mas o ano também me deu a escutar uma mão-cheia de títulos que aqui apresento em quatro listas, todas elas arrumadas por ordem alfabética, para cada uma havendo contudo um destaque.
NACIONAL
Pois é verdade, além do magnífico álbum dos Mão Morta e da sempre encantadora Maria João, o ano discográfico nacional contra entre os destaques um álbum que, apesar de “novo” e “inédito”, na verdade esperou 43 anos para que fosse editado. Gravado em 1982, na companhia de Manuel Cardoso (então em plena “etapa” Frodo), “Tédio” teria sido então a primeira edição a solo e de grande fôlego de um elemento dos Heróis do Mar. No mesmo ano em que o grupo lançava “Amor”, Carlos Maria Trindade criava uma declaração de “amor” não apenas a uma Lisboa em transformação mas também à sua companheira que foi então uma chave para a descoberta das mutações numa movida que estava de facto a mudar as noites da capital. Moldado pela presença de ecos (recentes) da cold wave, “Tédio” permitiu-nos viajar no tempo através das faixas “acidentalmente” recuperadas num antiquário, a bom tempo entregues ao meu companheiro de trabalho João Carlos Callixto e inteligentemente confiadas à Armoniz que (uma vez mais) assegurou uma edição de grande nível e exigência em todas as frentes (som, grafismo, informação). E assim, 43 anos depois dos aperitivos “Princesa” e “Em Campo Aberto”, finalmente saciámos o apetite então lançado. Sem esforço na dosagem de adjetivos, temos aqui um dos álbuns mais belos da história pop portuguesa dos oitentas. E um elo até aqui perdido e finalmente encontrado na grande aventura de renovação de linguagens pop ao serviço da língua portuguesa que tinham conhecido importantes espaços de exploração no LP único do Corpo Diplomático, nas estreias em álbum dos Heróis do Mar e GNR e, pouco depois, importantes continuações em títulos da Sétima Legião, António Variações, Rádio Macau e, do outro lado do oceano, nos Gang 90 & Absurdettes.

Aqui ficam dez títulos, arrumados por ordem alfabética:
Carlos Maria Trindade “Tédio”
Carminho “Eu Vou Morrer de Amor ou Resistir”
João Paulo Esteves da Silva “País Distante”
Lina + Jules Maxwell “Terra Mãe”
Mão Morta “Viva La Muerte”
Márcia “Ana Márcia”
Maria João “Abundância”
Noiserv “7305”
Samuel Úria “2000 A.D.”
Três Tristes Tigres “Arca”
INTERNACIONAL
Quantas vezes descobrimos percursos de músicos e já as suas carreiras contam com alguns discos à nossa frente?… Há dois anos, por exemplo, dei por mim a acertar o passo com uma banda de Brooklyn que ia no terceiro passo mas que, naquele momento, chegava aos meus ouvidos com o sabor da descoberta. E que descoberta! Na berlinda estava então “Strange Disciple”, terceiro álbum num percurso que tomava heranças da pop electrónica e de escolas indie dos anos para, num rumo diferente aos das rotas da nostalgia, procurar definir uma identidade que procurava então juntar mais tensão, sombras e significados a uma música que então se destacava, mais do que nos dois álbuns anteriores, dos ecos diretamente herdados da new wave e da pop dos oitentas. Convenhamos que era natural que esse tivesse sido o seu ponto de partida, até porque a ideia na base do percurso dos Nation Of Language começou a ganhar forma no dia em que Ian Devaney reencontrou uma velha cassete do pai que em tempos fazia a banda sonora das viagens de carro em família. Os OMD, que ali se ouviam, semearam então a genética que, ao convocar Michael Sue-Poi, o conduziu ao núcleo inicial do qual nasceriam os Nation of Language.
Agora seis anos depois de um álbum de estreia ainda profundamente marcado pelos ecos diretos do berço da ideia, os Nation of Language assinam em “Dance Called Memory” um álbum que confirma em pleno os sinais de transição já ensaiados em “Strange Disciple”. Sem perderem as marcas de uma identidade desenhada por um fascínio pelos sons das electrónicas dos oitentas, juntam às canções o discreto músculo de um baixo de escola Joy Division e também guitarras que por vezes emergem com maior evidência, fazendo pontes com heranças de uns My Bloody Valentine (mas com uma corrente de menor amperagem). São mais eles mesmos e não uma soma da música que os ensinou a ser quem são. A voz continua fiel às palavras que sublinham o tom melancólico que cruza o disco, em canções com cenografia mais elaborada e produção mais apurada. Elegância é palavra que se ajuste que nem uma luva a canções como “Silhouette” ou “Inept Apollo”, duas pérolas entre um alinhamento que faz deste um dos mais recomendáveis títulos vindos este ano de terreno indie.

Aqui ficam dez títulos, arrumados por ordem alfabética:
Ambre Ciel “Still There Is The Sea”
Brad Mehldau “Ride Into The Sun”
Lady Gaga “Mayhem”
Lexi Jones “Xandri”
Nation Of Language “Dance Called Memory”
Perfume Genius “Glory”
Pulp “More!”
Rosalia “LUX”
Suzanne Vega “Flying With Angels”
Zé Ibarra “Afim”
ARQUIVO
O projeto de criação de um olhar panorâmico sobre a carreira de David Bowie conclui-se em 2025 com “I Can’t Give Everything Away (2002–2016)”, sexta e última desta série de caixas, contando desta vez com 13 discos na versão em CB e 18 LP na caixa em vinil. A caixa junta os álbuns de estúdio “Heathen” (2001), “Reality” (2003), “The Next Day” (2013) e “Blackstar” (2016), propondo assim um percurso entre a produção de nova música (para o formato de álbum) no século XXI. Um percurso que só não foi mais recheado em acontecimentos dado o longo hiato, de praticamente uma década, que separou o momento de urgência médica que obrigou a cancelar as restantes datas da Reality Tour e o regresso, para surpresa geral, ao som de “Where Are We Now?”, o single lançado em janeiro de 2013 que anunciou que o silêncio tinha terminado e um álbum novo vinha a caminho. Esta etapa reflete etapas de reencontro de Bowie com ecos do seu próprio passado, com “Heathen” a evocar heranças diretas da “fase berlinense”, “Reality” a destapar um flirt de reaproximação com o jazz (que estava na sua formação como saxofonista) na faixa final do álbum, “The Next Day” a reafirmar um fulgor rock que o tinha animado tanto em momentos dos anos 70 como no período vivido entre os Tin Machine e o final “Blackstar” a revelar um desafiante mergulho entre diálogos com novas linguagens jazzísticas.

Aqui ficam dez títulos (entre reedições, antologias e caixas), arrumados por ordem alfabética:
David Bowie “I Can’t Give Everything Away (2002–2016)”
Frankie Goes To Hollywood “Welcome To The Pleasuredome”
Jean Michel Jarre “Deserted Palace”
Nik Kershaw “The MCA Years”
Passengers “Original Soundtracks Vol 1”
Prince & The Revolution “Around Thew World In a Day – Singles Box”
Rádio Macau “Rádio Macau”
Soft Cell “The Art Of Falling Apart”
Sétima Legião “A Um Deus Desconhecido”
Spandau Ballet “Everything Is Now – Vol 1 1978-1982”
CLÁSSICA
Se há terreno dado à surpresa na atual agenda de lançamentos de música clássica, além claro está do acompanhamento a par e passo das obras de autores vivos, é o que nos permite descobrir nomes para lá do cânone, trazendo ao presente compositores e obras que nos ajudam a criar uma cada vez mais detalhada visão de outras épocas e geografias. E em 2025, apesar da fixação em disco da produção de “Einstein On the Beach” que a Gulbenkian acolheu em 2022 (com Suzanne Vega como narradora), da confirmação de uma necessidade em ouvir o que nos chega da Islândia atual (Gabriel Olafs é nome a seguir atentamente) ou da homenagem de Paavo Jarvi a Arvo Pärt por ocasião dos seus 90 anos, tenho de destacar aqui o álbum que mais me cativou este ano. O lituano Mikalojus Ciurlionis (1875-1911) foi epicentro de um lançamento da DG, que não só deu a escutar obras orquestrais suas (entre as quais o poema sinfónico “Jūra”), como cativou primeiras atenções ao usar na capa uma pintura do próprio compositor. Obras dirigidas por Mirga Gražinytė-Tyla, à frente de uma orquestra lituana e uma outra, francesa.
Aqui ficam dez títulos, arrumados por ordem alfabética:

Arvo Pärt / Paavo Jarvi “Credo”
Fazil Say “Mozart Requiem”
Florence B Price “Violin Concertos”
Gabriel Olafs “Polar”
Joe Hisahisi “Desert Music”
Luis Tinoco “Kokyuu”
Mikalojus Ciurlionis “Back To Nature”
Philip Glass / Ictus / Suzanne Vega “Einstein On The Beach”
Philippe de Vitry / Ensemble Arborescence “Douce Playscence”
Steve Reich “Jacob’s Ladder”
Foi assim 2025. Bom ano de 2026!




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