Nascida de um convite de um festival austríaco a música que Sote apresenta em “Parallel Persia” convida-nos a encontrar caminhos de abordagem à música eletrónica que vincam uma dimensão experimental mas também uma expressão de identidade. Texto: Nuno Galopim

O cruzamento de tempos, lugares e linguagens pode conduzir-nos a experiências novas e desafiantes. Afinal observar o diferente e depois assimilar novos estímulos sempre foi um processo determinante para o aparecimento de novas ideias e formas nas mais variadas expressões artísticas. Sote, o nome artístico pelo qual se apresenta Ata Ebtekar (nascido em Hamburgo, com parte dos estudos feitos em São Francisco e há muito a viver em Teerão) é nome a juntar a uma família de músicos que, com novas ferramentas eletrónicas, promovem diálogos entre culturas, lugares e tempos distantes. Tal como Murcof escutou ecos da Lully e outros músicos dos tempos de Luíx XIV em The Versailles Sessions ou Ambrose Field (na companhia de John Potter), encontrou novas formas de abordar a música de um compositor medieval em Being Dufay, também Ata Ebtekar, ou Sote, como preferirem, explora pontes entre ecos da cultura persa e linguagens, estratégias e sons atuais.
Com uma carreira já longa e alguma representação discográfica – em 2007 era dele a etapa “contemporânea” de um CD duplo da Sub Rosa dedicada à história da música eletrónica iraniana Persian Electronic Music: Yesterday and Today 1966 – 2006, que então comprei – Ata Ebtekar apresenta em Parallel Persia mais uma contribuição para uma narrativa feita de pontes entre épocas e músicas, aqui em concreto fixando uma criação solicitada pelo Festival de Donau na Áustria e na qual o músico trabalhou em 2018 antes de depois a gravar para edição em disco (e que, ao vivo, passou por Serralves no ano passado).
Parallel Persia não promove uma reinterpretação por eletrónicas de ecos da música clássica e popular persa. Ou seja, não há aqui estratégias de abordagem nas das linhas de um Tomita, Wendy Carlos ou William Orbit. Esta música não procura por isso o confronto da memória com o novo pelo choque de sonoridades. Pelo contrário, Ata Ebtekar junta aqui instrumentos (não há apenas eletrónicas em jogo) para, num quadro de experimentação pela manipulação de sons e das próprias características da música, encontrar os tais caminhos paralelos que o título sugere. Esta nem é uma música de papel de parede nem uma janela pela qual o passado entra no presente.
É um conjunto de olhares e observações, gestos e interações, assimilando e transformando, projetando no presente possibilidades de criação que não esquecem o lugar onde nascem nem os significados que o tempo sobre ele pode exercer. É uma música pessoal, mas que nada esconde de onde vem e por quem nos chega. Não como uma manobra de world music modernaça. Mas antes como ensaio estético e identitário. Por vezes é desconfortável, noutras ocasiões onírica… O certo é que convida a viagens de descoberta onde, às tantas, se diluem as coordenadas de tempo e lugar. Um mundo paralelo, portanto. E, como todos os mundos paralelos, cheio de mistérios que os mais afoitos vão gostar de enfrentar.
“Parallel Persia”, de Sote, está disponível em LP e nas plataformas digitais, numa edição da Diagonal.