“Kriola” é o novo disco de Dino d’Santiago. Esta é a continuação de uma viagem de descoberta de uma identidade e de um mundo que sabe dialogar, misturar e incluir. Texto: Nuno Galopim

Foto: David Piedade

Dialogar, misturar, cruzar, explorar, alargar, incluir, respeitar, sorrir… Todos estes verbos habitam a música (e a personalidade) de Dino d’Santiago figura que, sobretudo depois do impacte do brilhante Mundu Nôbu (2018) ganhou um merecido espaço de protagonismo na cena musical portuguesa e um lugar de reconhecida visibilidade na construção de laços que são expressão artística de toda uma demanda pessoal e da construção de um pensamento que é também histórico, social e político (afinal não é isso a cultura?). Sem pré-aviso, um novo disco chegou-nos há poucos dias. Chama-se Kriola e traduz, uma vez mais, toda aquela multidão de ações acima enumeradas. E junta novas caminhadas a uma viagem que, ainda recentemente, tinha conhecido mais uma importante contribuição no igualmente consequente (e soalheiro) Sotavento.

         Antes do mais vale a pena lembrar que a viagem não começou em Mundo Nôbo. Editado cinco anos antes, Eva (álbum no qual participava o veterano Paulo Flores) lançava já sinais de curiosidade para um músico nascido no Algarve mas com horizontes mais vastos no seu olhar. As memórias e experiências herdadas dos pais agitavam uma puslão de descoberta identitária (sua e comunitária). Mas é com Mundu Nôbo que Dino d’Santiago encontra os parceiros certos para a demanda que tinha em mente. E com eles mergulhou numa mais profunda caminhada feita de ousadias, juntando referências (que cruzam tempos e lugares) e estabelecendo pontes entre tradições e afirmações de contemporaneidade. O novo mundo de que falava é aquele que somos: o da mistura. De cores. De línguas, dialetos e sotaques. De instrumentos. De geografias. De identidades. E é em busca de novas formas dessa mistura, que no fundo traduz uma expressão atual do sentido multicultural da cidade em que hoje mora (Lisboa), e de que Mundu Nôbo era fruto, que Dino d’Santiago continua a viagem. Em busca de novas expressões dessa mistura. No fundo, em busca do crioulo.  

         Se em Sotavento as paisagens apelavam a uma genética cabo-verdiana, em Kriola estamos num território que tanto pode ter uma das ilhas do arquipélago ou a linha de Sintra como ponto de partida. O espaço físico lança as possibilidades. Mas as culturas são realidade com outras fronteiras. E a música aqui transcende-as uma vez mais. Há em Kriola ecos que nos remetem para referências da Ilha de Santiago, em Cabo Verde, assim como a Lisboa, Londres, Lagos (na Nigéria) ou Luanda (Angola). No fundo, cozinhando em estúdio uma “cachupa instrumental”, como disse já o próprio Dino, sublinhando que, “desta vez, viajou do batuku ao ozonto, da coladera ao grime, sempre com o tempero final dado pelo funaná que descansa no arriscar de um tarraxo.” Branko, Pedro e Kalaf Epalanga são novamente epicentros em diálogos de colaboração que juntam uma vez mais Dino d’Santiago a Seiji, Nosa Apollo, Toty Sa’Med, Djodje Almeida, Toni Economides. Mas este mundo é feito de encontros e descobertas. É um mundo de portas abertas e desta vez ali chegaram também Julinho KSD (que partilha o protagonismo vocal em Kriolo) e Vado MKA.

              Se Mundu Nôbo traduzia uma “nova” Lisboa e Sotavento escutou novas possibilidades para genéticas nascidas em Cabo Verde, Kriola abre mais ainda os braços ao mundo global. Faz notar que somos isto. Nós, os que estamos aqui. Mas também todos os demais. Este é o nosso tempo. Este é o nosso mundo. O facto (inesperado) de o disco, que foi gravado em viagens entre Lisboa e Londres nos últimos meses, ter chegado num momento em que muitos de nós vivemos confinados às nossas casas, acaba por nos trazer um olhar de vistas largas para que, mesmo fechados, possamos sentir a pulsação do mundo.

“Kriola”, de Dino d’Santiago, está disponível nas plataformas digitais numa edição da Sony Music

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