Só o tempo nos pode contar, muitas vezes, as razões pelas quais este ou aquele facto fica registado na história. E em 1974 a história surpreendeu por várias vezes uma mesma canção. E sempre com boas notícias. Texto: Nuno Galopim

Tudo começou com uma letra e uma música, respetivamente de José Nisa e José Calvário. O objetivo era o de participar na edição desse ano do Festival da Canção – que na verdade por aqueles dias ainda se apresentava sob o nome Grande Prémio TV da Canção.. A música foi composta por José Calvário “em viagens de avião” e o poema “são bocadinhos de cartas que a o José Nisa escrevia à mulher” em cartas, quando estava em Angola, explicou Paulo de Carvalho no episódio que lhe é dedicado da série Vejam Bem, da RTP (ver aqui).

José Nisa e José Calvário escolheram (e bem) a voz de Paulo de Carvalho, que era já um nome de grande perfil no mapa musical português. Não só tinha carreira em disco desde os tempos dos Sheiks (uma das mais importantes bandas da história do rock português nos anos 60), como havia já assinado várias passagens pelo festival. Estreara-se em 1970 com Corre Nina. Em 1971 ficara em 2º lugar com Flor Sem Tempo (também com música de José Calvário). E em 1973 tinha regressado, com Semente.

Feito o convite, E Depois do Adeus, na voz de Paulo de Carvalho acabou por surgir entre as dez canções concorrentes num ano em que, a seu lado, surgiam temas como A Rosa Que Te Dei de José Cid e No Dia Em Que o Rei Fez Anos, dos Green Windows. A canção foi a quinta a desfilar no palco do Teatro Maria Matos no dia 7 de março. E terminou a noite em primeiro lugar com 245 pontos, mais 101 do que os segundos classificados (os Green Windows).

Consequência desta vitória, E Depois do Adeus representou depois Portugal na edição desse ano do Festival Eurovisão da Canção, que teve lugar em Brighton (no Reino Unido), a 6 de abril. Nessa noite a vitória coube aos suecos Abba, com Waterloo. E a canção portuguesa não foi além do 14º lugar, com 3 pontos (ex-aequo com as canções da Noruega, Alemanha e Suíça). Outro fado, porém, estava reservado à canção. A sua história não ficaria por aqui…

Entre os preparativos para a revolução, que teria lugar 19 dias depois da noite eurovisiva, foi necessário escolher duas senhas radiofónicas. A primeira para que, pelo país, os quartéis envolvidos ficassem a postos para avançar nessa noite. A segunda, passada um pouco mais tarde, a dar a informação de que não havia já recuo possível e a ordem era para avançar.

Para a segunda senha (e segunda canção) foi escolhida Grândola Vila Morena, que José Afonso tinha incluído no alinhamento do álbum Cantigas do Maio, editado três anos antes. Como primeira senha foi usada a canção E Depois do Adeus, na voz de Paulo de Carvalho. Não tinha um significado político, apesar de a letra referir Tu vieste em flor / eu te desfolhei, uma imagem não muito na linha da moral dominante na sociedade do Portugal de então. Era uma canção de amor. E era a canção eurovisiva desse ano. Uma escolha em tudo insuspeita e que poderia passar longe das atenções caso, eventualmente, a revolução acabasse por não avançar nessa noite. E assim, às cinco para as onze da noite, ainda a 24 de abril, o radialista João Paulo Diniz passou a canção nos Emissores Associados de Lisboa. E com a canção no ar, o sinal era claro… Tudo estava a postos. Tudo podia avançar. E assim aconteceu.

Em 2018, quando a RTP organizou o Festival Eurovisão da Canção, esta história ficou ali registada. Aqui fica esse momento:

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