
Passaram este mês 30 anos sobre a edição do álbum de estreia dos Inspiral Carpets. E se da restante discografia do grupo pouco a história recordará um dia – nem mesmo singles como Two Words Collide ou Saturn V parecem ter resistido ao tempo que entretanto passou – deste primeiro disco vale a pena lembrar que, juntamente com o maravilhoso álbum de estreia dos Stone Roses e do também marcante EP Madchester Rave On dos Happy Mondays, foi um dos pilares estruturais de um movimento que, na transição dos oitentas para os noventas, chamou atenções globais para o que estava a acontecer pelos lados de Manchester.
Por “sugestão” do título do já referido EP dos Happy Mondays, convencionou-se então designar como Madchester ao “movimento” de bandas que, então, não só ensaiavam estimulantes cruzamentos entre as linguagens da cultura pop/rock e das formas emergentes da música de dança, mas também ensaiavam um olhar interessado sobre modelos e referências escutados em discos de finais dos anos 60, sobretudo entre o estimulante e caleidoscópico universo do psicadelismo.
Convém lembrar que os Inspiral Carpets, surgiram em Oldham (arredores de Manchester) em meados dos anos 80 e que lançaram primeiras gravações em disco em 1988. A mudança de formação (para acolher a figura de Tom Hingley) acompanhou depois o momento da focagem de interesses da Mute Records, que os assinou, editando em 1990 o álbum Life.
Apesar do relativo protagonismo da voz de Hingley, a figura central na caracterização da identidade dos Inspiral Carpets deve mais ao trabalho de teclas de Clint Boon, filiado numa tradição que aponta a contribuição (igualmente característica e bem vincada) de Ray Manzarek nos Doors como modelo primordial. As canções, que traduzem, contudo, uma não menos marcante presença dos Kinks como grande herança made in UK, caminham entre as sugestões de (aparente) hedonismo que então se associava à vida noturna de Manchester e retratos de uma vivência urbana menos luminosa. De resto, o belíssimo This Is How It Feels (que representaria o êxito maior de toda a obra do grupo) representa um dos grandes retratos do quotidiano na Inglaterra de então.
30 anos depois, Life é um álbum que, apesar do seu impacte na época, mora hoje num espaço de memórias que não deram frutos e que, ao contrário do disco de estreia dos Stone Roses, não alcançou aquele patamar de imortalidade que abraça os feitos maiores da música pop. Canções como o já referido This Is How It Feels ou Sun Don’t Shine, que traduzem a face mais melancólica do alinhamento, resistiram melhor aos anos que passaram que o hino dançável que então se anunciava ao som de She Comes In The Fall… O álbum anda esquecido, é verdade. Mas, mesmo sem o estatuto e resistência à erosão de um Screamadelica dos Primal Scream, não deixa de ser um episódio importante de um momento de aproximação entre os mundos da pista de dança (com batidas) e a cultura rock’n’roll.