Editado em 1973, o terceiro álbum dos Kraftwerk é um espaço de transição entre uma primeira etapa nos terrenos de uma música mais exploratória e livre e a descoberta de uma nova arquitetura na arrumação dos sons. O futuro começava a nascer aqui. Texto: Nuno Galopim

Por muito que vejamos no álbum de 1974 Autobahn um momento de eureka na obra dos Kraftwerk e da própria história das electrónicas, assinalando-se aí o instante no qual foi encontrada a chave que abrira as portas à sua presença com protagonismo maior na música popular, na verdade há que ter em conta que todo um processo de buscas, encontros e desencontros, que o antecede e sem o qual as ideias não teriam sido tão certas na hora certa e no local certo. Os dois primeiros álbuns dos Kraftwerk na verdade não os afastavam muito das grandes linhas de ideias que então caracterizavam outros grupos alemães do seu tempo, num processo de procura de uma identidade fora das genéticas anglo-saxónicas da música popular do seu tempo, chegando algum tempo depois, via Reino Unido, o rótulo krautrock que, convenhamos, pode não ter sido a palavra mais entusiasmante de ouvir na Alemanha. Afinal, as referencias a ecos da II Guerra Mundial que a expressão transportava podiam sugerir desconforto e até mesmo uma não identificação, sobretudo entre uma geração que também não olhava a esse passado coletivo (que era mais o das gerações dos pais e avós) como fonte para a busca daquilo que era e do que sonhava vir a ser.
Em 1973 o grupo andava novamente na estrada, não apenas tocando temas dos álbuns Kraftwerk 1 e Kraftwerk 2, mas experimentando por diversas vezes os universos da improvisação. E foi de ideias experimentadas durante essas atuações que emergiam as linhas que depois os levariam aos temas que gravaram em estúdio, uma vez mais ao lado de Conny Plank.
Ainda com afinidades para com gravações anteriores, mas num patamar mais ordenado de ideias e, sobretudo, mais minimalista nos elementos, mais claro na arrumação das estruturas e nítido na produção. Ainda há por aqui flautas, baixo, violino e até mesmo guitarra (que tem um papel fulcral na Ananas Symphonie que fecha o alinhamento). Mas mais que nunca há um protagonismo de teclados electrónicos, percussão e sugestões de sonoplastia que servem a construção de uma música que adivinha a descoberta de um novo patamar de acontecimentos.
Se temas como Elektrische Roulette ou Kristallo revelam já um encanto pela exploração das electrónicas e de padrões repetitivos, é contudo em Tanzmuzik que, sob uma ordem percussiva ordenada (já em clima motorik), encontram os azimutes que os transportariam ao passo seguinte.
Ao álbum, que editam em 1973, chamam simplesmente Ralf & Florian, na verdade não mais que os primeiros nomes dos fundadores e elementos fixos do grupo que, então, era um duo. A foto, que vemos na capa da edição alemã original, é como uma passagem de testemunho entre o que tinham sido e o que em breve passariam a ser. Ralf Hutter ainda de cabelos longos e roupas largas e… modernas. A seu lado Florian Schneider já de fato e gravata e cabelo aprumadamente cortado, vestindo a personagem que, daí em diante, seria a que interpretaria até 2008, ano em que se afastou do grupo. Na contracapa há uma foto do estúdio Kling Klang que revela elementos adicionais desta sugestão de que estaríamos mais perto de figuras da ciência que dos universos de glamour e festa da cultura pop.
