Dez singles de Beck no dia do seu 50º aniversário

É um dos nomes maiores entre os que descobrimos na década de 90. E tem uma obra ainda viva e vibrante, como o mostrou o mais recente álbum, editado em 2019. No dia em que celebra os seus 50 anos, lembramos aqui dez singles seus. Seleção e textos: Nuno Galopim

Filho de um maestro e arranjador canadiano (que acabaria por colaborar com o filho) e de uma artista que vivera os seus dias de maior glória entre a Factory de Andy Warhol, Beck é hoje já um veterano reconhecido como uma das maiores revelações da música norte-americana dos anos 90.

Deu os primeiros passos em terrenos folk, tanto em Los Angeles (onde nasceu, em 1970), como em Nova Iorque, onde passou uma temporada na qual frequentou a cena anti-folk do Lower East Side. Cansado de uma vida no limar do precário acabou por regressar a Los Angeles encontrando um trabalho de dia num clube de vídeo, atuando de noite em pequenos clubes e cafés.

Começou a gravar canções, passando-as em cassetes a quem as queria ouvir. Até que cativou a atenção de um “olheiro” de novos talentos na BMG, numa altura em que a convivência com outras músicas – sobretudo ligadas à cultura hip hop – começavam a ser assimiladas na sua composição… “Mellow Gold”, em 1984, fez história e teve em “Loser” um cartão de apresentação global. Mas a história não acaba aí… De resto, continua bem viva. Pelo que vamos aqui lembrar dez episódios deste percurso.

“Loser” (1994)

Não foi o primeiro single de Beck. Antes, em 1993, tinha havido já um single partilhado com os Bean, no qual Beck participava com duas canções, uma delas “MTV Makes Me Want to Smoke Crack”… Mas é em 1994, com “Loser” (que então apresentava o álbum “Mellow Gold”) que o nome do músico entra em cena e cativa atenções. O cantor com um berço que podemos localizar na cena anti-folk juntava agora elementos apreendidos entre a cultura hip hop (das batidas aos samples) para sugerir um novo modelo de canção… pop. Na verdade “Loser” não é um sucesso imediato. O lançamento original, numa independente, passou longe das atenções, valendo à canção (e a Beck) o estardalhaço que nasceu quando, pouco depois, o single tem nova versão depois de assinado um acordo com a Geffen.

“Where It’s At” (1996)

Depois do impacte do álbum “Mellow Gold” a chegada de “Odelay”, o segundo disco de Beck no catálogo da Geffen, foi anunciada por uma canção que conheceu a sua estraia numa atuação na edição de 1995 do Lollapalooza. Se entre temas anteriores já se sentia uma presença de contaminações da emergente cultura hip hop, o novo “Where It’s At” tornava claramente explícita essa representação. A canção celebra de resto o prazer da descoberta e assimilação de samples e abre inclusivamente (na versão do álbum) com o som de uma agulha a descer sobre o vinil. “Where It’s At” cita referências que vão dos Mantronix a Captain Beefheart e representou o momento de reconhecimento do talento de Beck entre pares já que acabou por vencer o Grammy para Best Male Vocal Performance, um dos dois que o músico arrecadou nesse ano (o outro tendo sido o que destaca o melhor álbum de música alternativa).

“Devil’s Haircut” (1996)

Depois de “Where It’s At”, que tinha assegurado a apresentação do álbum “Odelay” coube ao single seguinte, “Devil’s Haircut”, cimentar a comunicação de um momento em que vários mundos e tempos ali se juntavam para construir uma nova visão para a canção pop. Por um lado havia ali uma evidente assimilação de elementos colhidos no hip hop. Por outro toda uma carga de memórias que chegavam através de samples (neste caso de gravações de nomes como os Them ou do baterista Pretty Purdie). O single foi acompanhado por um teledisco de Mark Romanek que mostrava Beck pelas ruas de Nova Iorque com uma boombox. O dispositivo sugere que, na verdade, o músico foi seguido por câmaras pela cidade como se ele mesmo não desse por isso.

“The New Pollution” (1997)

Os prémios que o álbum “Odelay” (editado em 1996) obteve na noite de entrega dos Grammys em 1997 serviu de confirmação clara do atingir de um estatuto de reconhecimento a Beck que o fazia transcender do espaço de admiração mais próximo dos nichos alternativos que pouco antes o vira entrar em cena. O seu estatuto refletia ainda a chegara a um patamar de visibilidade maior de uma geração que assimilava ecos de várias culturas (da folk ou de memórias da pop ao hip hop) e começava a apontar ideias ao que seria o som do século XXI… Ao estar no foco das atenções Beck viu cinco temas de “Odelay” a chegar a single, tendo este sido o terceiro desse lote. Surgiu em fevereiro de 1997 e traduzia sinais de uma incursão de Beck por ecos da pop dos anos 60, piscando de certa forma o olho ao legado de Serge Gainsbourg.

“Tropicalia” (1998)

E agora algo completamente diferente. Se a aclamação popular e o reconhecimento críotico de Beck tinham chegado com discos que haviam explorado terrenos para lá das cercas “indie”, assimilando sobretudo elementos na cultura hip hop, então para criar o sucessor de “Odelay” o músico resolveu partir para um terreno bem diferente, tomando de resto uma opção por mudanças de rumo que seriam frequentes ao longo de toda a sua discografia. Criado com a presença do produtor Nigel Godrich em estúdio “Mutations” tanto teria momentos de mutação que tanto iam da exploração da possibilidade de usar arranjos para cordas (caminho que Beck visitaria várias vezes depois) à evocação de memórias da muita música brasileira que escutara desde pequeno. E foi precisamente deste espaço que brotou a inspiração para “Tropicalia”, tema escolhido para ser o single de apresentação do álbum.

“Sexx Laws” (1999)

O ziguezague entre universos estéticos tem caracterizado a linha central nas rotas da discografia de Beck. E um dos mais evidentes jogos de solavancos entre discos pode revisitar-se no momento da passagem das visões ‘mellow’ e temperadas de “Mutations” (1998) para a pop alimentada a viço funk do seu sucessor, “Midnite Vultures”. O responsável pelo momento da transição foi um single que, escolhido como apresentação de um novo disco mais dançável, não deixou de servir o gosto de quem via em Beck um explorador de possibilidades não apenas na composição mas na própria busca de sons. “Sexx Laws” é uma das canções de recorte mais “clássico” na estrutura mas também uma das que mais profundamente vinca a presença de escolas da música negra norte-americana na sua formação. E é das mais bem humoradas e dançáveis de toda a sua obra. O single surgiu depois em várias remisturas e foi acompanhado por um teledisco realizado pelo próprio Beck.

“Lost Cause” (2002)

Não foram muitas as ocasiões em que Beck somou momentos de triunfo mediático com baladas ou canções mais tranquilas. Não faltam contudo na sua discografia momentos em que, mesmo sem o fulgor do funk ou a solidez dos ritmos escutados no hip hop, nos deu canções absolutamente encantadoras. Esse nunca foi todavia um terreno prioritário na sua comunicação na hora de editar singles. E, curiosamente, chegado a “Sea Change”, um disco de baladas com arranjos orquestrais, Beck optou por não extrair comercialmente nenhum dos temas do álbum como single, fazendo-o tomar antes como um todo. Felizmente houve quem (na editora) pensasse que seria boa ideia concentrar o airplay (de rádio e televisão) do álbum numa canção pelo que foi lançado um “promo” com “Lost Cause” que assim, mesmo apenas com estatuto de edição promocional, ganha um lugar entre a lista dos melhores singles de Beck.

“E-Pro” (2005)

Depois de uma série de experiências e desafios, que passaram por espaços de flirt com o funk (em “Midnite Vultures”) ou por uma primeira materialização de uma ideia de álbum de baladas orquestrais (“Sea Change”), eis que em 2005 Beck se reaproximou do terreno no qual tinha definido espaços de diálogo entre a canção pop e as contaminações de novas músicas urbanas nos dias de “Odelay” (que em 1997 o elevara a um patamar de aclamação entre pares ao triunfar em noite de Grammys). Ao álbum, no qual a dupla The Dust Brothers voltava (como em “Odelay”) a assumir um papel destacado na produção, chamou “Guero”. O cruzamento de culturas e heranças é ponto de partida para uma mão-cheia de grandes canções. Entre elas este “E-Pro”, com claro sabor a Beck “clássico”, que foi o single de apresentação do álbum.

“Gamma Ray” (2008)

Apesar da presença maior de algumas esferas de referência – que vão dos universos da folk a vários domínios da música negra norte-americana – a obra de Beck sempre mostrou interesse em assinar aventuras por outros domínios e fontes de entusiasmo. E coube a “Modern Guilt”, álbum de 2008 que assinalou o capítulo final de um antigo acordo com a editora com a qual ganhara notoriedade desde meados dos anos 90, representar o momento no qual focou atenções em memórias pop/rock dos anos 60 e, em particular, ecos dos tempos do psicadelismo, para assinalar mais uma mão-cheia de experiências onde se cruzam tempos e o novo tem sabor a clássico. Criado em colaboração com Danger Mouse, o disco teve neste “Gamma Ray” o seu momento de maior mediatismo.

“Uneventful Days” (2019)

O sucessor do menos marcante “Colours” apresentou como principal colaborador Pharrell Williams. “Hyperspace” revela sobretudo uma vontade em procurar a identidade do cantautor e projetá-la num espaço contemporâneo sem contudo procurar revoluções. O single de avanço, “Saw Lightning”, dava conta de ligações mais próximas com os diálogos entre a música da América profunda e um sentido de (re)invenção da canção pop que o próprio Beck operou nos primeiros anos da sua carreira, com resultados sobretudo marcantes em “Odelay”. Mas essa memória (recente) era um primeiro senão a uma leitura demasiado rápida da capa do álbum… “Hyperspace” revelou ser antes um disco de maturidade na contemporaneidade. Pharrell Williams operou mais vezes ações de contenção do que de revolução. Ajudou a encontrar um patamar natural e consequente para captar a essência que procurava na identidade de Beck, projetando-a no presente com naturalidade. E basta ver o teledisco que acompanha “Uneventful Days”, carregado de autocitações, para sentir que o que aqui está é um disco que fixa naturalmente a identidade de Beck. Como que a dizer esta é a minha história… e aqui ela continua a ser contada.

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