Nascido (como o disco refere) de gravações originalmente efetuadas entre 1993 e 1995, eis que entra em cena, um quarto de década depois, o álbum de estúdio que a dupla Kruder & Dorfmeister nunca editou quando o mundo os descobriu. Texto: Nuno Galopim
Entraram em cena em 1993 com um EP que lançava visões possíveis para lá do trip hop num terreno de design apurado em clima downtempo, com sabores que podiam abarcar as referências ao alcance de dois músicos/produtores/DJ atentos, conhecedores, curiosos e, sobretudo, focados na construção de um caminho e uma assinatura capaz de assimilar ecos captados entre os outros e deles criar uma marca autoral. Oriundos de Viena (Áustria), Peter Kruger e Richard Dorfmeister apresentaram-se em G-Stoned um EP que rapidamente cativou atenções internacionais e que, logo na capa (que citava a do clássico Bookends da dupla Simon & Garfunkel), deixava todo um programa de sugestões devidamente lançado. A cultura pop conheceria, de resto, na dupla Kruder & Dorfmeisrer, uma das suas mais marcantes manifestações dos anos 90, facto curioso dada até a curta discografia que assinaram já que, na sua maioria, as criações que foram deixando em disco se manifestaram sobretudo nos DJ sets que editaram na série DJ Kicks ou em Conversations e, mais ainda, no (hoje clássico) The K & D Sessions, volume que recolhe a multidão de (magníficas) remisturas que criaram para temas de outros artistas, num leque que vai dos Depeche Mode ou Bomb The Bass, Lamb ou Roni Size, vincando quão marcante foi também a sua exploração do drum’n’bass. Do impacte da sua obra ganhou visibilidade um conjunto significativo de outros músicos, produtores e DJ austríacos, falando-se até na imprensa musical, em meados dos noventas, de um certo “som de Viena” (e não vamos agora discutir a validade destas “cenas” locais como realidades musicais ou meras estratégia de comunicação). Contudo, depois de uma curta mão-cheia de discos lançados entre 1993 e 2003, a dupla saiu de cena, deixando contudo espaço à edição de projetos paralelos pessoais (como Tosca e Peace Orchestra, entre outros mais), tendo ambos os músicos optado por focar sobretudo as atenções na sua atividade como DJ, sobretudo depois de criado o programa (de sucesso) The K&D Live Sessions Show. E assim vivíamos, entregues à memória de (belos) discos e à espera de novas visitas, até que, há poucas semanas, um “novo” álbum entrou em cena…
Bom 1995 é “novo” porque não existia como entidade assim definida. Como um álbum… Mas o que o “novo” disco da dupla Kruder & Dorfmeister nos revela é, na verdade, um trabalho de recolha de material de arquivo, afinal num patamar de relação entre registos gravados e a edição discográfica em tudo semelhante ao que tem acontecido com as edições póstumas de Patrick Cowley ou os discos de inéditos que têm surgido dos arquivos de nomes como Prince ou David Bowie.
Segundo lemos na contracapa de 1995 estas gravações foram captadas entre 1993 e 1995 e, de facto, traduzem o clima lançado pelo EP G-Stoned e acabam por desenhar aquilo que, por aqueles dias, Kruder & Dorfmeister nunca acabaram por criar em conjunto: um álbum. Não deixa de ser curioso que os discos de estreia dos projetos Tosca (em 1997) e Peace Orchestra (em 1999) tenham representado as primeiras criações de maior fôlego de, respetivamente, Kruder e Dorfmeister. É certo que 1995 não corresponde concetualmente ao que poderia ter sido um álbum criado há 25 anos. Na verdade estas gravações aqui reunidas são o resultado da reunião de uma série de sessões captadas naquele intervalo de tempo, achadas (como nos dizem… ou será mitologia?) em cassetes DAT recentemente (re)encontradas. Segundo consta este alinhamento terá sido fixado em “apenas” dez test pressings, distribuído por amigos, e ganho vida própria… Era um ensaio de ideias, um showcase de propostas, carecendo portanto da natural reflexão mais definitiva que precede aquele momento em que o músico encara as gravações acopladas num alinhamento e as define como álbum, segundo-se a ordem para editar… Estas últimas etapas não aconteceram em 1995. Mas, fruto do reencontro com as gravações em DAT, podemos agora reencontrar o que podia ter sido um álbum da dupla editado… em 1995. Estetivamente está em absoluta sintonia com o que então nos deram a conhecer e, curiosamente, o tempo não datou nem lançou mofo sobre estas ideias. A música sabe a coisa fresca, de certa forma atual, e até pode servir de bálsamo tranquilo a tempos como aqueles que vivemos em 2020… Ah, e sim, 1995 acaba por ser o primeiro álbum de originais da dupla Kruder & Dorefmeister. Valeu a espera (acreditando nós que as gravações são de facto de arquivo e não recentes, mas na verdade as mitologias são sempre mais cativantes do que a realidade).
“1995” de Kruder & Dorfmeister está disponível em CD, LP e nas plataformas digitais, numa edição da G-Stone Recordings
Correção: o registo que é referido como Conversations chama-se, na verdade, Conversions. Eis a prova:
https://www.discogs.com/pt_BR/master/view/46499
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