O formato do EP foi dominante entre os primeiros anos da aventura pop/rock made in Portugal. Um primeiro LP surgiu em 1966 quando o Conjunto Académico juntou algumas canções no alinhamento de No Teatro Monumental (ler a história desse disco aqui). Mas esse não correspondia ainda à criação de um alinhamento inédito para o suporte de LP. A criação de um primeiro álbum no espaço do pop/rock português só chegaria em 1969 (ou seja, nove anos depois do EP Caloiros da Canção, com gravações de Daniel Bacelar e dos Conchas ter inaugurado este mesmo universo discográfico). E o primeiro álbum do pop/rock português revelou ainda trazer a bordo uma outra estreia: era um disco concetual. Contava uma narrativa, lançava as ideias e resolvia-as no espaço de duas faces de um mesmo disco. Chamou-se Epopeia e foi o único álbum publicado pela Filarmónica Fraude.

         O grupo tinha surgido cerca um ano antes na região centro do país, entre o Entroncamento e Tomar. E entre os músicos estavam antigos elementos dos G-Men e dos Académicos. Começaram por se chamar Incas. Mas Filarmónica Fraude foi a escolha definitiva. Tocavam no Algarve, em 1968, quando os elementos do Duo Ouro Negro os viram e levaram uma cassete com gravações suas para Lisboa, ao que seguiu um verdadeiro “caso” de disputa editorial. Acabariam por assinar pouco depois pela Phillips, estreando-se com o EP Flor de Laranjeira já em 1969, ao qual se seguiu o EP Canção de Embalar.

         Com produção de João Martins e Luís Villas Boas, o álbum Epopeia foi também gravado e editado nesse mesmo ano. O disco revelava sinais evidentes de busca de caminhos mais pessoais e marcas de um cunho autoral bem evidente. De facto, depois da estreia em disco do Quarteto 1111, em 1967, abriram-se novas frentes de exploração mais ousada entre algumas novas bandas pop/rock que então começavam a surgir sem a carga de mimetismos que caracterizara algumas das primeiras experiências nestes terrenos.  Coube, contudo, à Filarmónica Fraude, num álbum com carga épica (musical e narrativamente falando) ser autora de um primeiro depoimento identitário de maior fôlego para o pop/rock português.

         A música naturalmente assimilava formas em voga numa linguagem que transcendia as fronteiras, mas da temática (focada nos descobrimentos e sob evidente presença de um certo humor e sarcasmo) à música (imponente, algo sinfonista, cinematográfica, pontualmente desenhando flirts jazzísticos), Epopeia revelava desafios nunca antes levados a disco entre nós. E vincava uma personalidade que assim se materializou num disco desafiante, intrigante, empolgante e em tudo ímpar. A censura não travou a música, mas agiu sobre a assinatura “Lídia 69” com a qual Lídia Martinez tinha assinado o desenho criado para dar rosto ao disco.

         O grupo desagrega-se pouco depois. Entre saídas de Portugal (para evitar o recrutamento para a guerra colonial) e transferências para outras bandas (António Avelar Pinho, por exemplo, estará pouco depois na fundação da Banda do Casaco), a Filarmónica Fraude tem um fim discreto, que a grandiosidade da visão levada a Epopeia poderia sugerir. O álbum, contudo, transformou-se num clássico. Mas também numa raridade. Houve uma edição em CD em 1998 que, juntamente com as duas prensagens em vinil (Phillips, 1969, em formato gatefold, e Fontana, 1979), fazem deste um tesouro difícil de encontrar fisicamente (está disponível nas plataformas de streaming), com cópias a surgir neste momento a preços entre os 220 e os 750 euros do Disogs).

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