Editado na reta final de 1981 “Non Stop Erotic Cabaret” assimilou os ecos do sucesso global de “Tainted Love” mas manteve firme a exploração de temáticas numa escrita que olhava para outras faces menos luminosas das vivências daqueles tempos. Texto: Nuno Galopim

Entre as bandas que, na passagem dos anos 70 para os 80, fizeram a primeira geração de criadores de canções pop dominadas por emergentes ferramentas eletrónicas os Soft Cell representaram um dos casos mais invulgares e cativantes. O sucesso inesperado que alcançaram com o single Tainted Love, em 1981, catapultou-os para um patamar de celebridade mainstream que eles mesmos tiveram depois dificuldade em assimilar, acabando mesmo por sabotar e desmontar, nos anos seguintes, o estatuto ali conquistado.
A dupla que juntou Marc Almond e Dave Ball nasceu depois de um encontro ocasional quando ambos eram colegas universitários em Leeds, em finais dos anos 70. Marc Almond crescera a escutar os heróis pop/rock da sua geração, com Bowie entre várias referências maiores. Por seu lado Dave Ball, que tinha um particular fascínio pela música para cinema – sobretudo o corpo de bandas sonoras de perfil épico da série James Bond – viveu aquela epifania que abre novos horizontes e aponta um futuro no momento em que, pela primeira vez, escutou Autobahn dos Kraftwerk. Juntos, na Leeds Politechnic, começaram a criar canções e a apresentar performances. A princípio nem se imaginavam uma banda, já que, salvo os Suicide, não havia exemplos de duos para voz e eletrónicas… Mas entre performances (bem subversivas) e canções foram definindo um caminho que começou por se mostrar mais longe no EP de auto-edição Mutant Moments que, ao ser levado por um DJ e tocado em discotecas de Nova Iorque, lhes valeu um acordo “ou vai ou racha” com uma editora maior.
O primeiro single, Memorabillia (canção que não constaria no alinhamento do álbum de estreia) passou todavia longe das atenções. Mas o segundo, uma versão de um velho tema de Gloria Jones (Tainted Love), com uma outra versão, de uma canção das Supremes (Where Did Your Love Go) no lado B, levou-os inesperada e rapidamente a um patamar de sucesso global… E agora? E a resposta surgiu na forma de um álbum, ao qual chamaram Non Stop Erotic Cabaret e que viu pela primeira vez a luz do dia a 27 de novembro de 1981.
O grupo explorou ali as potencialidades das novas eletrónicas mas também um sentido clássico na abordagem à canção que provinha de referencias maiores que tanto vinham dos ensinamentos dos ídolos da geração glam rock como entre a tradição da northern soul. Non Stop Erotic Cabaret, que é hoje recordado como um dos mais marcantes álbuns da primeira geração pop eletrónica, inclui canções que se tornaram casos de popularidade maior como o já referido Tainted Love, Bedsitter ou Say Hello Wave Goodbye. Pelo alinhamento celebravam-se histórias da noite, dos anónimos que são os seus protagonistas, de vidas difíceis, de sexo, juventude, isolamento, frustração e desejo. Mesmo sem a angulosidade da busca de formas menos polidas que surgem nos álbuns de 1983 e, sobretudo, 1984, as canções não deixam de servir olhares menos luminosos sobre vidas difíceis, por vezes adormecidas e a necessidade de busca de pontos de escape.
O sucesso maior de Tainted Love, a sucessão de êxitos subsequentes (que inclui ainda o impacte ainda bem significativo de What? e Torch, ambos de 1982, portanto já criados depois deste álbum) criou em muitos dos que então os seguiam uma ideia diferente daquilo que Almond e Ball procuravam. Na verdade a restante obra dos Soft Cell (que teria um primeiro ponto final em 1984) seria mais fiel a estas suas demandas que a uma vontade de multiplicar o fenómeno de popularidade gerado em 1981.