Um ano depois de uma caixa dedicada à “aurora” da pop eletrónica, entra em cena “Musik Music Musique – 1981, The Rise of Synth Pop” que junta, sem uma lógica “best of”, nomes como os Soft Cell, Japan, John Foxx, Duran Duran ou os Heaven 17. Texto: Nuno Galopim

Há pouco mais de um ano, numa caixa de três CD, com o título “Musik Music Musique – 1980, The Dawn of Synth Pop”, a editora Cherry Red sugeria um retrato de um mundo em mudança entre os espaços da canção pop. Com uma seleção de 58 canções, este olhar evitava ser um “best of” de quem então se notabilizou. Pelo contrário, apostava-se na reunião de peças que permitiam descreever uma geração de músicos e bandas a experimentar o futuro naquele a que Mat Smith, que assinava o texto do booklet, chamou o “ano zero” da pop eletrónica (o que pressupõe, com razão, uma visão de “pré-história” sobre os esforços pioneiros até então desenvolvidos, que podemos localizar entre muitos dos feitos assinalados durante a década de 70, da Alemanha à França, do Japão ao Reino Unido). Agora o “ano um” desta aventura ganha forma em “Musik Music Musique – 1981, The Rise of Synth Pop”. Mas se por um lado a mesma política editorial volta a insistir numa vontade em não confundir esta caixa com um eventual “Now 1981”, por outro o alinhamento, e apesar de algumas falhas notáveis (Human League, Depeche Mode, Jean Michel Jarre ou Gary Numan) não deixa de notar o facto de 1981 ter sido o ano em que a pop eletrónica ganhou visibilidade mainstream e se fez um caso sério de sucesso, talhando pela sua bigorna alguns dos clássicos deste tempo que mais bem resistiram à passagem do tempo.
1981 foi o ano de “Dare” dos Human League, de “Non Stop Erotic Cabaret” dos Soft Cell ou de “Architecture & Morality” dos OMD, que é como quem diz, o ano que colocou no mapa da música pop canções como “Don’t You Want Me”, “Tainted Love” ou “Souvenir”, todas elas fenómenos de sucesso global, num tempo em que entram discograficamente em cena, também com reconhecimento popular, nomes como os Duran Duran ou Heaven 17, ao mesmo tempo que os Japan criavam o álbum que finalmente cativaria atenções maiores ou os Ultravox cimentavam o estatuto recentemente firmado num segundo álbum criado com Midge Ure a bordo. Salvo os Human League, todos estes casos de sucesso são integrados no alinhamento de 51 faixas aqui reunidas. Mas, salvo com os OMD (representados com “Souvenir”), Kim Wilde (“Cambodia”), Heaven 17 (“We Don’t Need This Fascist Groove Thang”), “Reformation” dos Spandau Ballet ou “Visage” dos Visage (estes dois na verdade vindos da colheita de 1980), os nomes que mais visivelmente deram que falar em 1981 são aqui evocados com faixas menos “gastas”, do lado B “Khanada” dos Duran Duran a “Frustration”, que abre o alinhamento do álbum de estreia dos Soft Cell ou singles de menor impacte como “Through Being Cool” dos Devo. Ultravox, John Foxx ou New Musik também aqui estão, mas com escolhas menos óbvias. “Japanese Boy”, um pontual sucesso de Aneka (de quem depois pouco mais se ouviu falar) surge igualmente representado, assim como o estão canções de nomes que conquistariam mais notoriedade pouco depois como os Tears For Fears ou A Flock of Seagulls. Referências das frentes mais exploratórias da pop eletrónica, dos Yello à Yellow Magic Orchestra, marcam igualmente uma justificada presença.
Apesar desta galeria de “celebridades”, o grosso das maiores surpresas deste alinhamento faz-se ora evocando nomes que então estavam sob os focos das atenções (como Toyah, Dramatis ou Hazell O’Connor), peões marcantes nas frentes da invenção “alternativa” (da dupla Chris & Cosey aos Eyeless in Gaza, passando por Thomas Leer) ou figuras, bandas e projetos que o tempo quase esqueceu. Das experiências a solo de Peter Bauman (que passou pelos Tangerine Dream) a projetos como Those French Girls ou Gina X Performance (com uma homenagem a Quentin Crisp), há por aqui uma pequena multidões de memórias quase perdidas que ficam assim resgatadas num contexto que as transforma em peças da história que aqui se conta. Nota-se ainda uma evidente ligação entre heranças do punk e vivências próximas da new wave, tal como se notara na caixa dedicada a 1980. E, tal como nesse episódio de há um ano, a representação exterior ao quintal “brit” é reduzida perante a dimensão real dos acontecimentos. Estão aqui o Japão, a Alemanha ou os Estados Unidos… Mas em 1981 havia sinais interessantes de acontecimentos pop feitos com electrónicas a emergir na Bélgica (Telex), França (Jean Michel Jarre ou Lio) ou Espanha (Mecano), isto para nem falar no que estava já a ganhar forma entre nós… Estão por isso, aí, histórias para contar…
“Musik Music Musique – 1981, The Rise of Synth Pop” está disponível numa edição em 3CD pela Cherry Red Records.