Mantovani: um ‘case study’ de sucesso discográfico

Um documentário de 2014 disponível agora na plataforma Netflix ajuda a conhecer e compreender o fenómeno de grande sucesso gerado pelos discos do maestro Annunzio Paolo Mantovani, conhecido como o “Rei das Cordas”. Texto: Nuno Galopim

Apesar dos números mais discretos que a venda de parte significativa das edições discográficas na área da música clássica obtém face a muitos títulos vindos dos universos da música pop/rock (e arredores), não faltaram nunca a este universo as grandes estrelas… populares. É certo que nomes como os dos maestros Herbert Von Karajan ou Leonard Bernstein representam quase uma ideia de “marca” que muitas vezes leva a comunicação para além dos públicos habitualmente mais atentos a estes terrenos. Mas, numa dimensão de escala ainda mais popular, o caso do violinista André Rieu é um claro exemplo de uma dimensão maior que por vezes o sucesso pode alcançar por estes lados. Na verdade entre os primeiros campeões de vendas na história da música gravada estavam figuras ligadas à música clássica. Caruso, por exemplo, foi o primeiro a atingir o milhão de unidades vendidas de um mesmo disco. E até à alvorada dos anos 50 os grandes maestros, vozes do canto lírico e instrumentistas de renome partilharam com cantores da música popular e lendas do jazz o Olimpo dos casos de sucesso gerados pelos discos. A progressiva entrada em cena de novas gerações de músicos e movimentos que se tem vindo a acentuar desde a explosão do rock’n’roll mudou o panorama. Mas houve nomes que se mantiveram em cena e, mesmo atentos à necessidade de ir aferindo os rumos do repertório, não deixaram de gozar o estatuto antes conquistado. E um dos maiores casos neste departamento foi o protagonizado pelo maestro Annunzio Paolo Mantovani (1905-1980), nascido em Veneza e com vida depois feita sobretudo no Reino Unido, que arrebatou o título de “Rei das Cordas” e foi o primeiro a alcançar o milhão de discos vendidos na idade do estéreo. 

Disponível na plataforma Netflix, o documentário Mantovani: King of Strings conta-nos não apenas uma história de vida mas também retrata um percurso de sucesso de um músico (filho de outro músico) que cedo encontrou um público criando uma orquestra sobretudo focada em instrumentos de cordas, tendo inclusivamente desenvolvido mais adiante uma técnica – que ficaria conhecida como “cascading strings” – que lhe permitia alcançar um efeito de corpo maior, intensidade e continuidade às notas tocadas nas peças que foi gravando em discos que, invariavelmente, resultavam em casos de êxito. O poder da exploração da imagem – dos cartazes nas lojas de discos à criação de programas de televisão – foi importante contribuição para a comunicação de um maestro que associamos à criação de um espaço mais “ligeiro” no terreno da música orquestral. De valsas e peças instrumentais nascidas da adaptação de árias de óperas, passando depois por canções populares e música criada para o cinema, o percurso de Mantovani conheceu um período de sucesso maior antes da eclosão do rock’n’roll. Contudo, quando Elvis, Cliff e outros depois conquistam as atenções populares, a música de Mantovani continuou a ser comunicada para um público mais velho e conservador que não se reconhecia entre os novos heróis, procurando nele um certo conforto.

Mais do que a vontade de conhecer uma discografia (que está longe de ser das coisas mais gourmet da história), o filme – que escuta alguns dos seus admiradores e até mesmo discípulos, incluindo imagens da reunião da orquestra para concertos alguns anos depois do desaparecimento do maestro – documenta a história de um músico que, tal como muitas das grandes estrelas do firmamento pop, dominava as várias frentes do trabalho de quem grava discos e sobe aos palcos. Das escolhas estratégicas de repertório às técnicas de gravação em estúdio, passando depois pelo relacionamento com as editoras ou o trabalho de comunicação (atento à exploração da imagem do artista), Mantovani é um interessante case study de sucesso na história dos discos. O documentário, mesmo sem esconder um encantamento logo no ponto de partida (que o leque de entrevistados vinca), é um interessante contributo para a criação de um olhar sobre a noção de sucesso na história da música gravada. 

“Mantovani: The King of Strings”, de Alan Byron, está disponível na plataforma Netflix

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