Uma autobiografia com uma escrita direta e rápida, focada sobretudo nos discos e nos respetivos processos criativos, faz do livro de Trevor Horn uma belíssima visita (bem) guiada aos álbuns e singles que assinou como autor ou produtor. Texto: Nuno Galopim

Começam (e ainda bem) a avolumar-se os livros nas estantes dedicadas às autobiografias de músicos. E aí, para cada um, além das narrativas pessoais, há que ter em conta pontos de vista, o detalhe (ou falta dele) no modo de relatar os factos e, depois, olhares sobre os contextos, os mundos para lá dos egos e a capacidade em gerar momentos de reflexão. Trevor Horn consegue, em Adventures in Modern Recording, juntar um pouco de cada um destes ingredientes neste percurso ao qual deu o título do segundo álbum dos Buggles no qual, nos poupa a incursões desnecessárias (para quem quer ler sobre música) sobre a sua vida pessoal e aposta, antes, em descrever com detalhe os processos de ensaio e erro que tantas vezes passaram pela pré-história das canções e discos aos quais esteve associado, mostrando como cada um, afinal, é a etapa final de processos longos, muitas vezes cheios de contradições, desentendimentos, epifanias e descobertas, descrevendo o produtor como aquele que “entrega” a canção a quem a criou, sugerindo a imagem de pegar no que está escrito numa folha de papel, transformando essa ideia numa gravação concluída. Ou, como ele diz, o “parteiro” das canções. 

O livro passa, depressa, por primeiros passos a fazer a vez do pai num pequeno bar local e logo chega às primeiras experiências em estúdio e palco, tocando com e para outros. É então que se começa a desenhar um caminho em paralelo como músico e produtor, com Trevor Horn a arrumar as diversas “aventuras” em capítulos distintos aos quais dá o nome de uma cação ligada a ele mesmo projeto. Explica a génese (e dissolução) dos Buggles, os dois momentos em que trabalhou com os Yes (a sua banda favorita nos dias de juventude) e evoca as hoje algo esquecidas etapa de produção com Dusty Springfield ou os Dollar, ao mesmo tempo que se desenha uma ligação a um estúdio de família (afinal era daquela com quem se casaria) e o triunfo com Lexicon of Love, dos ABC, que corresponde à génese do grupo de trabalho que estaria depois na origem dos Art of Noise e da própria ZTT Records. 

Depois com Malcolm McLaren, mostra como o papel do produtor foi ali fulcral para dar forma às visões de um músico com mais ideias do que capacidade em lhes dar ordem. E, sem surpresa, dedica parte significativa das páginas à etapa ZTT, da formação dos Art of Noise e assinatura dos Frankie Goes to Hollywood, sem esquecer a importante colaboração com os Propaganda, referindo em frequentes momentos a presença do português Luís Jardim em vários discos ou elogiando a visão de editores, como Chris Blackwell, notando como a criação do álbum Slave To The Rhythm, de Grace Jones, só poderia ter acontecido numa etiqueta gerida por alguém com paixão pelo lado mais desafiante da música. Um breve capítulo sobre o coletivo Band Aid recorda que o single Do They Know It’s Christmas foi gravado no estúdio gerido por Jill, a mulher de Trevor, e que a ele coube fazer a mistura para a edição em 12 polegadas (e eu que nem me lembrava que havia um máxi de Do They Know It’s Christmas).

As parcerias com os Per Shop Boys (e foi de Trevor Horn a ideia de juntar Debussy a batida disco que Neil Tennant citou na letra de Left To My Own Devices), com Paul McCatntey, os Simple Minds, Rod Stewart (com quem fez a versão de Downtown Train, original de Tom Waits), Seal ou LeeAnn Rhymes, fazem a parte final de um volume de memórias onde são deliciosas ainda as histórias nos bastidores de All the Thing She Said das t.A.T.u. ou a colaboração com os Belle & Sebastian, banda nas preferências da sua filha Ally (que, ao saber da parceria, pediu ao pai para não estragar a banda).

Simpes na forma (sem pretensões literárias) mas firme na descrição dos processos criativos (e aqui sem se perder em detalhes téncnicos), Trevor Horn é um belo cicerone nesta visita guiada aos discos que já fez. No fim acabei com vontade de os voltar a escutar.

“Adventures In Modern Recording”, de Trevor Horn, está disponível numa edição hardback de 311 páginas, publicada pela Bonnier Boioks., Há também versão em audiolivro (com 8h32’ de duração).

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