Em 1983 a televisão espanhola levou a Munique uma das propostas mais ousadas e desafiantes de toda a história de representações do país na Eurovisão. Remedios Amaya obteve zero pontos com “Quién maneja mi barca?” mas fez história. Texto: Nuno Galopim

A chegada de uma nova direção à televisão espanhola teve entre o conjunto de decisões tomadas uma reordenação do modo de pensar a representação do país no Festival da Eurovisão. E para 1983 foi lançado um olhar sobre o panorama musical local, atendendo não apenas aos espaços consagrados mas também a linguagens emergentes, como o novo flamenco, e acabou por ser precisamente para aí que se concentraram as atenções com a escolha, por seleção interna, da então jovem e ainda internacionalmente desconhecida Remedios Amaya.
De origem sevilhana, então com 21 anos, mas já com discos lançados desde 1978, Remedios Amaya apresentou em Munique a canção nnn, da autoria de José Miguel Évoras e Isidro Muñoz, levada a palco com um arranjo desafiante que integrava a presença de alguns elementos eletrónicos (mais evidenciados na versão de estúdio fixada no disco), bem antes de Rosalía e outras vozes do presente levarem os cruzamentos do flamenco com novas sonoridades da era digital a plateias mais vastas. Com sentido (natural, pelo que nada forçado) de pioneirismo e ousadia, Quién maneja mi barca? entrou em cena sugerindo em ouvidos mais duros aquele desconforto do choque cultural, disputando com as belgas Pas de Deux, nesse mesmo ano, o título do momento mais desafiante (e interessante) de todo o festival. Todavia a estranheza perante a canção de Remedios Amaya terá sido maior, terminando a noite em 19º lugar com zero pontos (tal e qual a canção da Turquia), ficando a Bélgica em 18º.
A cantora integrou depois Quién maneja mi barca? no álbum Luna Nueva (1983) que, juntamente com Seda en Mi Piel (1984), traduzem a sua obra em disco na década de 80. Remedios Amaya enfrentou então um período de pausa discográfica, voltando a gravar apenas em 1997.