Editado a 12 de abril de 1983 o álbum “Murmur” seguiu-se a primeiros singles e a um EP, vincando desde logo distintivas marcas de identidade, definindo as linhas mestras de um caminho que deles fez um nome de referência do indie rock. Texto: Nuno Galopim

Surgiram na aurora da era Regan, numa América que reencontrava valores conservadores, mas com a consciência de que esse não seria o seu caminho. Não que pretendessem ser panfletários ou mesmo ativistas, mas antes autores de uma banda que vincasse uma identidade e não um alinhamento diluído entre a multidão ou, como o próprio Michael Stipe explicou, queriam fazer uma música que as pessoas pudessem levar para casa consigo, ou seja, que as cativasse, afetasse e que sugerisse que era coisa “inteligente” ou, pelo menos, que não fosse “estúpida” (explicações que podemos encontrar no volume da série 33 1/3 dedicado ao álbum, assinado em 2005 por J. Niimi.
Naturais de Athens (na Georgia), onde apesar do brilho recentemente causado pelos conterrâneos The B-52 cresceram longe dos focos de quem procura uma qualquer “next best thing” mas próximos de mitologias locais e experiências que foram moldando o trilhar de um caminho de busca por uma identidade.
Apesar das emergência da era do vídeo musical (e criaram mais tarde grandes telediscos), optaram por ficar mais atenções na música do que na imagem tanto que não os vimos nunca (até bem tarde) nas capas dos seus discos. Mesmo assim a força da afirmação da individualidade dos elementos do grupo ajudou à demarcação de um território seu, sobretudo comunicado a quem os escutava pelo raro carisma do vocalista Michael Stipe (não era de facto apenas o timbre que o fazia ser notado).
Letras desafiantes, de significados por vezes de leitura oblíqua, o poder da melodia, a força do refrão, são características que os acompanham logo desde a sua estreia, que chegou ao som de “Radio Free Europe”, single que, numa leitura original, editam em 1981. As college radios descobrem-nos cedo. Reconhecem interesses comuns por referências formadoras que vão dos Velvet Underground ou Television a Patti Smith. E mesmo sem métodos de agitação e propaganda ou sem ter de vociferar uma agenda política no sentido contrário ao momento (mas que lhes corria no sangue) cativaram atenções cada vez mais alargadas, conquistando rapidamente um espaço de atenção entre um panorama “alternativo” americano que emergia em clima pós-punk. Em 1982 o EP “Chronic Town” assegurou um novo passo. Mas coube a “Murmur”, primeiro álbum, editado em abril de 1983, o papel de fixar o nome R.E.M. num mapa de atenções já bem para lá das fronteiras do estado onde tinham nascido três anos antes, abrindo caminho para o seu reconhecimento como força maior de uma nova geração indie rock que nos daria a conhecer pouco depois nomes como os Throwing Muses ou Pixies.
Depois de primeiras (e ao que parece frustrantes) sessões com Stephen Hague, criaram o alinhamento que hoje conhecemos numa série de jornadas de trabalho com um novo produtor (Mitch Easter) num estúdio em Charlotte, na Carolina do Norte, entre janeiro e fevereiro de 83. Num cruzamento vivido entre ecos do garage rock e de tradições folk, valorizando a presença das guitarras (mas sem embarcar nos caminhos habitualmente seguidos pelos gritar heroes) e sem procurar o apelo de uma sofisticação que então circulava em clima pop, as canções de palavras enigmáticas cantadas por uma voz intrigante cativaram atenções. O disco, cujo alinhamento recuperou a canção do single de estreia, moldou as bases de uma identidade que, mesmo sob nuances posteriores (como a etapa de mais acentuado fascínio acústico de “Automatic For The People” ou o reencontro com a eletricidade em “Monster”) nunca abandonou a música da banda até ao momento em que, sentido que tinham a sua obra concluída, resolveram colocar um ponto final em 2011. “Murmur” é, ainda hoje, um dos seus discos de maior referência. A tela onde definiram tudo o que depois aconteceu.