Três anos depois de “Aos Prantos”, a brasileira Letrux apresenta um terceiro disco a solo onde luz e eletrónicas marcam os climas que se servem depois jogos poéticos criados em torno de animais para definir o caminho para o seu alinhamento. Texto: Nuno Galopim

Há um ano passou pelo palco do FMM Sines para, em palco, tornar física a música que nascera em “Aos Prantos”, o segundo disco a solo que a carioca Letícia Novaes editara em 2020 como Letrux e que confrontara os seus horizontes de expectativas iniciais com a realidade inesperada de uma pandemia. Pelo caminho houve um livro, “Tudo o que já nadei: Ressaca, quebraram e marinhas” e ainda um documentário, “Letrux – Viver é um Frenesi”, realizado por Marcio Debellian. Agora, o exorcismo revela-se completo ao som de “Letrux Como Mulher Girafa”, um terceiro álbum no qual, sem abdicar dos ângulos das perspectivas pessoais que esse disco revelara, optar antes por encontrar outras rotas mais exuberantes, de certa forma recuperando o clima mais luminoso do álbum de estreia em nome próprio, o magnífico “Em Noite de Climão”, de 2017.
“Letrux Como Mulher Girafa” segue a norma clássica do álbum conceptual ao definir uma série de jogos poéticos que estabelecem relações entre auscultações pessoais e pontos de vista sobre o mundo ao seu redor (e no fundo todos nós) através uma galeria de animais, uns deles levados a canções, outros a faixas de ligação que aprofundam a lógica do conceito que cruza todo o álbum. A mulher girafa do título pode certamente aludir a memórias remotas de uma jovem Letícia alta e magra, antes talvez desconfortável com essa comparação, coisa que o tempo resolveu. Os restantes são imagens e metáforas que a escrita bem apurada de Letrux uma vez mais explora, desta vez num reencontro com o produtor João Brasil, que consigo havia trabalhado já no derradeiro álbum do percurso a bordo da dupla Letuce, que manteve com Lucas Vasconcellos entre 2008 e 2016.
As canções deste terceiro álbum de Letrux evidenciam um reencontro vincado com a luz e as electrónicas, acolhendo heranças do pop/rock brasileiro dos oitentas mas sem convocar qualquer carga de nostalgia. Uma pulsação dançante marca algumas canções, como as vibrantes “Zebra” (que conta com a colaboração de Lulu Santos), “Hienas” ou “Teste Psicológico Animalesco” (o episódio com mais evidente aroma retro), surgindo depois como contraponto as atmosferas mais delicadas de “Aranha” (que ficaria bem em qualquer listagem das melhores canções indie de 2023), do bilíngue “Louva Deusa” ou na arquitetura pop desafiante de “As Feras, Essas Queridas”, mais um belo exemplo do poder interpretativo vocal da própria Letrux. Experiência em tudo capaz de confirmar tudo o que de positivo os dois álbuns já sugeriam, “Letrux Como Mulher Girafa” reafirma Letrux como uma das vozes mais entusiasmastes da atual cena pop indie brasileira que merecia ter mais exposição deste lado do oceano.
“Letrux Como Mulher Girafa”, de Letrux, é para já um álbum apenas disponível nas plataformas digitais, numa edição da Altafonte




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