Está longe de ser coisa inédita vermos nomes do cinema a levar os seus nomes também às capas dos discos (que não as bandas sonoras dos filmes nos quais participaram). O cinema francês, em particular, tem sido ponto de partida para várias experiências bem sucedidas na música, com exemplos que podem envolver nomes como os de Agnés Jaoui, Charlotte Gainsbourg, Danielle Darrieux, Jeanne Moreau, Catherine Deneuve ou Brigitte Bardot. A estes nomes podemos juntar o de Isabelle Adjani, atriz que em 1983 tinha assinado um álbum no qual dava voz a canções de Gainsbourg (de quem havia já interpretado “Rocking chair” numa emissão televisiva em 1974) e em cujo alinhamento surgia a canção “Beau oui comme Bowie” que então teve edição como single. Em 1986, então com letra sua e música de Sébastien Santa Maria, lançou mais um single: “Princesse au petit pois”. Entre programas de televisão, colaborações ocasionais com diversos músicos e até mesmo momentos musicais em filmes, Adjani nunca deixou a música silenciada na sua vida. Mas aos discos em nome próprio só regressou em 2019, lançando o singles“Meet Me by the Gates”, ao qual se sucedeu, em 2022, “Pour Le Monde”, ambos com co-autoria sua e assinados em parceria com a dupla The Penelopes. Nesse mesmo ano lançou um outro single, “Jeder tötet was er liebt”, canção com palavras nascidas de um poema de Oscar Wilde e com música de Peer Raben e David Ambach que escutávamos então no filme “Peter Von Kant”, de François Ozon, no qual Adjani interpretava o papel de Sidonie. O aumento recente do ritmo de lançamentos não fazia, mesmo assim, adivinhar que, depois desta breve sucessão de singles, estaria na linha do horizonte a edição de um álbum. E, algo discretamente, eis que em novembro do ano passado, apresentou “Bande Originale”, uma pérola que escapou (injustamente) às listas do que de melhor se escutou em disco em 2023.

“Bande Originale”, que a própria já descreveu como um filme sem imagens, é um esforço coletivo e tem como principal parceiro da atriz e cantora francesa o músico Pascal Obispo, com o qual Adjani já colaborara em várias ocasiões. Cantou com ele “On ne sert à rien”, contribuição para o álbum de 2004 “Sidaction – Ensemble Contre le Sida” (destinado a recolher fundos para campanhas de luta contra o VIH) e voltaram a cruzar-se em 2018 em “D’accord”, novo encontro vocal, este juntando ainda a bordo Youssou N’Dour, num dos momentos do álbum “Obispo”. Pascal Obispo é, em “Bande Originale”, a criativa mais presente entre um coletivo reunido para, ao lado de Isabelle Adjani, definir um elenco vocal pelo qual encontramos nomes como os de David Sylvian, Simon Le Bon, Peter Murphy, Etienne Daho, Youssou N’Dour, Benjamin Biolay, Seal, Akhenaton (voz dos IAM), Gaëtan Roussel (dos Louise Attaque), convocando ainda memórias (gravadas) de figuras que já nos deixaram como Daniel Dar (dos míticos Taxi Girl, onde militava Mirwais Ahmadzaï), Philippe Pascal (que passou pelos Marquis de Sade) ou Christophe.
Este elenco raro, repleto de figuras de primeiro plano, todo ele feito de homens com vincada personalidade vocal que aqui contracenam com Adjani, ajuda a definir uma narrativa que imagina um ano na vida da protagonista e daqueles com quem se cruza, sugestão que vinca a ideia de cinema que todo o projeto de facto sugere. A música molda depois os espaços, define a cenografia que, tal como os rostos que “vemos” no cartaz, é luxuriante e marcada pela diversidade, ora sugerindo geografias diferentes (sobretudo asiáticas, pontualmente africanas, com aquele toque nada realista que algum cinema de facto pede), mas sempre elegantes. Uma ideia de pop adulta e sofisticada, melancólica, delicada nas formas, grandiosa nos arranjos, “Bande Originale” pode caminhar nos antípodas dos sabores mainstream do momento. Mas, e tal como o bom cinema pelo qual passou grande parte do trabalho de Adjani, este “filme” é coisa gourmet para saborear. De resto, trabalhado ao longo de 17 anos, o disco pede-nos que, agora, sem pressa, o escutemos.
“Bande Originale”, de Isabelle Adjani, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Parlophone.





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