Há duas expressões habitualmente usadas quando, aqueles que gostam de cognomes (não é o meu caso) se referem a Sarah Vaughan (1924-1990). Uma delas, “sassy”. que pode ter leituras como “atrevida”, “irreverente” ou “destemida”, foi-lhe atribuída pelo pianista John Malachi que em tempos a acompanhou ainda nos anos 40. Sarah terá gostado da ideia, tanto que ela mesmo a usava, usando a grafia “sassie” quando a deixava escrita na sua própria letra. Mais adiante, já com carreira discográfica, coube ao DJ de Chicago Dave Garroway um segundo cognome: “The Divine One” (ou seja, “a divina”)… Nada contra… Mas vale a pena ir além dos cognomes e, em tempo de centenário, reconhecer como, embora de uma forma distinta da vivida por uma Nina Simone (que entrou em cena um pouco mais tarde), também Sarah Vaughan teve um papel determinante em movimentos de partilha, contágio e alargamento de horizontes para além do berço no jazz (sem nunca o deixar). Colaborações com maestros e orquestras (de Michel Legrand a Michael Tilson Thomas, sem esquecer Quincy Jones que com ela desempenhou este papel em várias ocasiões), olhares sobre o universo pop/rock (dos Beatles a Dylan, e não só), a canção francesa (cantou Bécaud, por exemplo) ou soul e o funk, aqui com importantes experiências entre os álbuns “A Time In My Life” (onde canta “Inner City Blues (Make Me Wanna Holler)” de Marvin Gaye, canção do álbum “What’s Going On desse mesmo 1971), “Feliz’ Good” (1972) ou desafiante “Songs of The Beatles” (álbum de 1981 onde nem falta um tempero disco)… Há mais rotas e nuances na discografia de Sarah Vaughan, que nunca fechou a portas ao gosto em colaborar com outros. E um dos trilhos mais percorridos em disco nos anos 70 e 80 foi expressão clara do seu gosto pela bossa nova e a MPB, gerando um trio de álbuns que, mesmo podendo não corresponder aos títulos mais “canónicos” da obra de Sarah Vaughan (e aí, por exemplo, o célebre álbum gravado em 1954 ao lado do sexteto do trompetista Clifford Brown merece claro destaque), representam momentos onde a sua assinatura ficou igualmente inscrita.

Editado em 1978 no Brasil como  “O Som Brasileiro De Sarah Vaughan” (com expressão internacional, logo depois, como “I Love Brasil”) este foi o primeiro de um trio de integralmente álbuns dedicados à música brasileira que Sarah Vaughan editou entre os anos 70 e 80, abrindo um espaço que teve continuidade em “Exclusivamente Brasil” (na versão internacional “Copacabana”, de 1980) e conclusão em “Brasilian Romance” (1987), disco produzido por Sérgio Mendes que representou o último álbum da cantora, nomeado para o Grammy de Melhor Performance de Jazz Vocal (feminina). Produzido por Aloysio de Oliveira (que em tempos trabalhara com Carmen Miranda e, depois, com nomes como os de Nara Leão, Edu Lobo ou Vinicius de Moraes e voltaria a assumir este papel junto de Sarah Vaughan em “Copacabana”), “I Love Brasil” define um modelo baseado em colaborações e parcerias que seria replicado nos discos de 1980 e 1987, envolvendo desta vez nomes como Milton Nascimento (que teria daqui em diante uma colaboração recorrente com a cantora e aqui escutamos em várias canções), Dorival Caymmi, Novelli (baixista que assina uma das canções de “Coincidências” de Sérgio Godinho) ou António Carlos Jobim, cujo piano escutamos nas duas canções de sua autoria aqui interpretadas em versões em língua inglesa, “Triste” (que mantém o título em português) e “Se Todos Fossem Iguais a Você”, aqui apresentada como “Someone to Light Up My Life”, esta última contudo apresentada como extra apenas em reedições posteriores do álbum, no formato de CD. Estas abordagens de Saran Vaughan à bossa nova e à MPB não se fazem segundo um prisma nostálgico, mostrando a instrumentação e produção ecos naturais dos sinais dos tempos.

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