Estávamos em abril de 1964. Vinte e dois meses antes, em junho de 1962, o grupo tinha dado o seu primeiro concerto, no mítico londrino Marquee, ainda sem Charlie Watts e Bill Wyman a bordo, num sexteto inicial que juntava a Mick Jagger, Keith Richards e a Brian Jones o baterista Tony Chapman, o baixista Dick Taylor e o pianista Ian Stewart, este último deixando o lugar “oficial” nas teclas para assumir sobretudo as funções de road manager em maio de 1963. Quando, em junho de 63, surge um primeiro single, que os apresenta como Rolling Stones (e não The Rollin’ Stones dos primeiros cartazes), escutamo-los ao som de “Come On” de Chuck Berry, alcançando o número 21 na tabela britânica, cativando maiores atenções, assegurando balanço para um passo seguinte que chega, cinco meses depois, num segundo single onde cantam um inédito de Lennon e McCartney, “I Wanna Be Your Man” (que os próprios Beatles só editariam semanas depois no seu segundo álbum. Em janeiro de 1964, um novo disco dos Rolling Stones, desta vez um EP, tem como canção principal “You Better Move On”, versão de um tema do norte-americano Arthur Alexander. Nascidos de uma paixão (comum ao núcleo original) pelos blues, com primeiros passos trilhados entre esses e outros caminhos com mais azimutes apontados à cultura norte-americana do que a referências “caseiras”, não foi se calhar surpresa notar que o muito americano retrato da estrada 66 por Bobby Troup, cujo título os Stones simplificaram para, apenas “Route 66”, abrisse oficialmente a sua vida no formato de LP. 

Era de caminhos americanos que as referências a eles chegavam. Era para a América que em breve partiriam, em junho, já com uma versão local do álbum de estreia (sob a designação “England’s New Hitmakers” e com alinhamento distinto) entretanto editada. Mas, em abril de 1964, “em casa”, a identidade marcada por influências americanas da música dos The Rolling Stones ficava claramente demarcada de uma vez por todas no alinhamento de um álbum que revistava Chuck Berry (em “Carol”) e reinventava ainda canções de Willie Dixon (“I Just Want to Make Love to You” ), Jimmy Reed (“Honest I Do”), a equipa que fez história na Motown Holand / Dozier / Holand (em “Can I Get a Witness”, originalmente editada na voz de Marvin Gaye) ou Rufus Thomas, voz do núcleo central de artistas da Stax (em “Walking The Dos”), entre outros mais, ao mesmo tempo fixando composições dos próprios quer através do pseudónimo Nanker Phelge (que surgira originalmente em “Stoned”, o lado B de “I wanna Be Your man”) quer pela dupla Jagger / Richads, que teria com “Tell Me (You’re Coming Back)” o primeiro single sob esta assinatura (num 45 rotações editado no mercado norte-americano, onde de resto lhes daria uma primeira entrada no Top 40). 

Marcado sobretudo pelos caminhos (então bem atuais) do rhythm’n’blues e até da emergente soul, que assim somavam às raízes nos blues, o álbum de estreia mostra uma banda a trilhar um caminho próprio a partir de sugestões e referências definidas por um gosto formador dos alicerces de uma identidade. Porém, da voz já claramente bem definida de Mick Jagger a outros mais sinais de igual busca de assinatura entre a banda, este disco, mesmo não tendo ainda o fulgor que faria de “Aftermath” (1966) um primeiro clássico, já deixava bem claro quem eram, o que buscavam, para onde queriam ir. E, se dele sairam versões históricas de “Route 66” ou “I Just Want to Make Love to You” ou episódios fundadores de um historial como autores, sobretudo em “Tell Me (You’re Coming Back)”, por outro este disco colocou em cena um muito sólido cartão de visita capaz de deixar evidente que a personalidade de uma banda em afirmação se fazia sob uma paleta bem versátil de caminhos, onde não falta até mesmo um episódio instrumental ao som de “Now I’ve Got a Witness (Like Uncle Phil and Uncle Gene)”, uma das composições apresentadas sob o pseudónimo Nanker Phelge que denunciava momentos de trabalho criativo nascido em conjunto. Sessenta anos depois uma escuta de “The Rolling Stones” é tão pedagógica como saborosa. E vale a pena escutar pérolas menos célebres como as versões de “Mona (I Love You Baby)” ou, em terreno mais marcados pelos blues, de “Little By Little” ou “I’m a King Bee” para compreender que, por caminhos distintos, e mesmo uns meses atrás dos Beatles, os Rolling Stones estavam claramente a começar a edificar aquele que hoje reconhecemos como uma das obras mais importantes da história do rock’n’roll.

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