Não era fácil criar um álbum de apelo consensual depois de “Let’s Dance”. David Bowie tinha duas escolhas possíveis. Por um lado podia regressar aos caminhos de desbravamento de novas ideias. Experimentava, e necessariamente alienava a multidão global que o havia elevado ao estatuto de super-estrela com o álbum e digressão de 1983… Outra alternativa seria a criação de um sucessor pop, mainstream, cauteloso e comercialmente certeiro. Contra o que fora a sua agenda na década de 70 (e que voltou a dominar os azimutes da sua criação depois de 1993), optou pela segunda escolha. E fez de “Tonight” um híbrido R&B para consumo pop global, todavia sem a afinação que convocara a “Let’s Dance”. Resultado? Um álbum menor, rapidamente arrumado entre os seus maiores desaires, mas na altura comercialmente válido e capaz de gerar singles capazes de manter vivo o novo patamar de fama.
“Blue Jean” usado como aperitivo antes mesmo de lançado o álbum, acrescentou mesmo assim mais um momento de grande popularidade à fileira de êxitos que Bowie estava a somar nos anos 80. A canção procura referências em memórias dos anos 50 (algo que Bowie havia já feito em “The Jean Genie” ou “Hang On To Yourself”), mas juntando às genéticas de um Eddie Cochrane um sentido de sofisticação R&B com saxofones e pompa à medida do desejo do som dos oitentas. A letra reflecte o tom despreocupado de uma etapa de mais formas aparentes que conteúdos e foi criticada como sendo das mais basicamente sexistas da obra de Bowie. O single, mesmo assim, correspondeu às expectativas e alcançou um sexto e um oitavo lugares, respectivamente no Reino Unido e EUA.

O terceiro single extraído do álbum representa, ao lado de “Blue Jean”, mais um exemplo de como, em tempo de agenda estética feita de excessos na produção, quase se abafam as intenções da composição. Mesmo assim, “Loving The Alien” representa um outro momentos memorável deste álbum, tendo a versão que acompanhou a edição em single melhorado a canção face à sua mistura original. De tom grandioso, quase sinfónico, o tema é por muitos tido como um piscar de olho a heranças temáticas de ficção científica da “era” Ziggy Stardust. Na verdade, esta é das canções de objectivos líricos mais evidentes entre as que Bowie registou na década de 80, falando sobretudo da necessidade do homem encontrar um sentido ecuménico tolerante, criticando abertamente certas manifestações de religiosidade “organizada” e os dogmas e medos que lhes são associados. Um entendimento entre o mundo cristão e o Islão parece subtexto evidente numa canção que parecia indiciar o casamento com a muçulmana Iman, alguns anos depois. Ao que parece, a escolha de “Loving The Alien” para suceder a “Blue Jean” e “Tonight” deveu-se a uma crítica ao álbum, que apontava este como um potencial single de sucesso a dele extraír… A sugestão valeu-lhe um 19º lugar no Reino Unido, um resultado bem mais expressivo que o discreto número 53 atingido meses antes, com o dueto com Tina Turner em “Tonight”, esta última uma canção que assim ficou aquém do potencial dos ingredientes em jogo, correspondendo a uma das raras incursões de Bowie por terrenos reggae (presente também em “Don’t Look Down” ).
Curiosamente “Blue Jean” e “Loving The Alien” são os dois únicos novos originais de Bowie no alinhamento deste álbum. Também inéditas, as canções “Tumble and Twirl” e “Dancing With The Big Boys” surgiram em sessões de escrita em conjunto com Iggy Pop que ganharam forma na sequência de umas férias conjuntas em Java e Bali após o final da Serious Moonlight Tour. Da digressão chegou parte significativa da banda levada a estúdio, criando um grupo no qual se destacava a presença do guitarrista Carlos Alomar. Talvez o primeiro tiro ao lado deste projeto tenha sido a não contratação de Nile Rodgers (o produtor de “Let’s Dance”), cabendo o trabalho de produção a Derek Bamble e Hugh Pagdham. Todo o restante lote de canções corresponde a versões, desde o próprio “Tonight” (de Iggy Pop, originalmente apresentada em “Lust For Life”) ao clássico “God Only Knows” dos Beach Boys (versão originalmente planeada para o “Pin Ups” de 1973 mas então não concluída), incluindo ainda “Don’t Look Down” e “Neighborhood Threat” (ambas de Iggy Pop) e “I Keep Forgettin’”, gravada em 1962 por Chuck Jackson.





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