Uma das vozes mais cativantes surgidas entre o panorama musical pop da cidade de São Paulo no século XXI, Tulipa Ruiz transportava logo à nascença uma carga genética favorável a desafios. Tulipa é filha de Luis Chagas, jornalista recentemente desaparecido que, durante anos, acompanhou como guitarrista a banda de Itamar Assunção. E o seu irmão Gustavo é hoje um produtor aclamado que conta no seu trajeto com vários títulos notáveis, um dos mais recentes correspondendo ao celebrado “Caju” (2024) de Liniker.
Nascida em Santos, crescida em São Lourenço (Minas Gerais) mas com vida profissional depois feita com sede em São Paulo, Tulipa (nome que terá sido escolhido sob influência do filme “A Tulipa Negra” (1964) de Christian-Jacque, começou por vender discos numa loja em São Lourenço antes mesmo de estudar comunicação social (Comunicação e Meios, no Brasil), começando por seguir profissionalmente as pisadas do pai como jornalista. Ao mesmo tempo começou a desenvolver o seu talento como desenhadora e a colaborar em bandas , uma das quais os Pochete Set (que a ela juntava o pai e o irmão). Desafiada a experimentar criar canções com maior protagonismo, estreou-se ao vivo em nome próprio em 2009, colhendo opiniões favoráveis que a encaminharam no sentido do álbum de apresentação “Efémera” editado um ano depois, disco no qual o pai compunha duas canções e o irmão não só surgia nos créditos de três temas (co-assinados com a irmã) como assumia um papel que se tornaria habitual na discografia de Tulipa: o de produtor. O disco deus canções a duas novelas da Globo, uma a um jogo electrónico, uma vitória nos Prémios Multishow (Melhor Cantora – Júri Especializado) e deixou claro que havia ali um caso sério a acompanhar com atenção.

Dois anos depois de “Efémera”, um segundo álbum serviria de confirmação para tudo o que o disco de estreia havia colocado em cena, reafirmando Tulipa Ruiz como uma nova voz criativa capaz de estabelecer pontes entre as heranças da MPB e linguagens de uma pop com aquela saudável e desafiante inquietude natural que ocorre habitualmente em zonas indie. Novamente com Gustavo na produção (co-assinando uma vez mais várias canções), “Tudo Tanto” alarga os horizontes já visitados no disco anterior e aposta numa aventura mais exploratória, não apenas no enriquecimento dos timbres nos arranjos como no próprio canto de Tulipa Ruiz, que ousa expandir o espectro vocal, fixando definitivamente uma assinatura como intérprete. Convocando para o estúdio o colectivo carioca Chocotones, alargando os arranjos a instrumentos como a flauta, o clarinete, o violino ou violoncelo, as canções de “Tudo Tanto” falam de afetos, do quotidiano, juntam memórias e reflexões, vincando a personalidade de uma cantora que aqui mostrava já sinais de evidentes marcas autorais. Entre o alinhamento surgem episódios que hoje são referência no cancioneiro de Tulipa Ruiz como “Víbora” (que a ligou a Criolo, com quem se apresentou no Coala paulista em 2024), peças de cativante alma pop como “Expectativa”, “OK” ou “É”, ou ainda “Desinibida”, canção criada em parceria com Tomás Cunha Ferreira (dos portugueses Os Quais, músico que conheceu por ocasião de uma visita a Lisboa). O álbum superou os feitos de “Efémera” no capítulo das premiações e foi seguido por discos como “Dancê” (2015), “Tu” (2017), “Habilidades Extraordinárias” (2022) e o mais recente “Trago” (2024), este criado em parceria com o irmão Gustavo, Rica Amabis e Alexandre Orion. Hoje, com 46 anos, Tulipa Ruiz é uma certeza maior da atual música popular brasileira. E, depois de uma edição original em CD, este seu segundo álbum está (desde 2023) também disponível em vinil.





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