Quatro álbuns clássicos de David Sylvian regressam em vinil

Depois de conhecida a notícia da separação oficial dos Japan, David Sylvian colocou o projeto de criação e gravação de um primeiro álbum em nome próprio na sua agenda de prioridades. “Forbidden Colours”, criado em parceria com Ryuichi Sakamoto, abria oficialmente a discografia a solo pós-Japan. Antes, e uma vez mais com Sakamoto, Sylvian tinha lançado o single “Bamboo Houses”/”Bamboo Music”… Mas agora era preciso olhar ainda mais adiante… O álbum de estreia a solo definiria, de facto, novas linhas e horizontes, mas não representou necessariamente um episódio de rutura total face ao que eram os caminhos que a música dos Japan vinham a tomar nos últimos tempos (aliviando todavia a carga “oriental” que tanto havia caracterizado Tin Drum como inéditos entretanto surgidos no duplo ao vivo Oil on Canvas e na antologia Exorcising Ghosts, ambas edições já posteriores à notícia da separação do grupo). Na verdade, “Brilliant Trees”, editado em 1984, mantém uma atenção para com o formato da canção e pela ideia de uma estrutura rítmica pronunciada, traduzindo contudo ecos de novos espaços de interesse, nomeadamente caminhos do jazz ou os patamares de uma música ambiental focada na exploração de texturas e silêncios. O disco foi gravado nos estúdios Hansa, em Berlim, na reta final de 1983, com créditos de produção repartidos entre o próprio David Sylvian e Steve Nye. E entre os músicos que colaboram no disco contam-se dois ex-Japan (Steve Jansen e Richard Barbieri), Holger Czukay, Ryuichi Sakamoto, Mark Isham ou Jon Hassell.

Terminado o ciclo centrado no álbum de estreia a solo “Brilliant Trees” (que gerou três singles) David Sylvian apresentou em 1985 um EP instrumental originalmente apenas disponível no formato de máxi-single. Trabalho de parceria na composição com Jon Hassell (que assim se mantinha no seu universo de colaboradores por mais um tempo), um dos temas aceitando ainda uma participação nos créditos de Steve Jansen, Words With The Shaman envolveu ainda a presença em estúdio de Holger Czukay, outro dos parceiros em “Brilliant Trees” com quem, depois, David Sylvian embarcaria numa experiência de música improvisada da qual nasceram, em finais dos anos 80, dois álbuns “Plight + Premonition” e “Flux + Mutability”, ambos recentemente reeditados em vinil sob uma capa comum, em formato de duplo LP. “Words With The Shaman “apresenta três peças interligadas, a parte 1 sob o título “Ancient Evening”, a parte 2 como “Incantation” e a parte 3 como “Awakening – Song From The Treetops”. “Words With The Shaman”, é uma das peças mais interessantes da obra a solo de Sylvian, e representa, mais ainda do que os universos explorados em “Brilliant Trees”, um caminho de descobertas que lançaria trilhos futuros na sua obra. A música é essencialmente contemplativa, aceita mecanismos repetitivos como base da estrutura, mas liberta alguns instrumentos que desenham linhas que, delicadamente, definem ambientes, depois cores e formas. Há samples vocais, ruídos que juntam outras almas à textura de uma música que traduz interesses por outras músicas para lá das fronteiras da pop e que vão da world music e do jazz a caminhos de alguma música contemporânea (Steve Reich pode ser mesmo uma das referências em “Awakening”). Estas três composições surgiram depois no alinhamento do álbum instrumental “Alchemy, an Index of Possibilities”, originalmente editado (também em 1985) apenas no formato de cassete e que agora tem, pela primeira vez, uma prensagem em vinil.

O terceiro álbum a solo de David Sylvian é, na verdade, um dois em um. Editado na origem no formato de LP duplo, “Gone To Earth” apresentava no disco 1 uma coleção de novas canções e, no disco 2, um conjunto de composições instrumentais. Robert Fripp é uma das presenças centrais neste disco não só por coassinar alguns dos temas, como pela visibilidade que a sua guitarra tem na mistura final. As canções do disco 1 exibem mais evidente presença da guitarra eléctrica e ocasionais ecos de um interesse pelo jazz. Já os instrumentais do disco 2 optam por uma relação mais próxima com uma noção de música ambiental, valorizando sobretudo texturas criadas por teclados e destacando a presença da guitarra num registo completamente distinto, mais próximo aqui da tradição acústica. Além de Robert Fripp são colaboradores neste disco músicos como Bill Nelson ou Kenny Wheeler, mantendo firme as presenças dos ex-Japan Steve Jansen e Richard Barbieri.

Se em “Brilliant Trees” juntou novos ângulos de abordagem jazzística aos arranjos das suas canções e se em “Alchemy: An Index of Possibilities” e “Gone To Earth” aprofundou uma exploração das texturas, em “Secrets of The Beehive” (de 1987) David Sylvian buscou, sobretudo um patamar de simplicidade formal que, mais do que nunca, revelou como o silêncio habitava, afinal, a sua busca por uma linguagem mais pessoal. Visto por muitos como um dos discos fundamentais da sua discografia (porém de comparação difícil com os trabalhos mais próximos da música improvisada que fazem a sua obra recente), “Secrets Of The Beehive” é o álbum onde David Sylvian se aproxima de uma noção mais “convencional” de escrita. Sem abdicar da contribuição de vários colaboradores (entre os quais Ryuichi Sakamoto, Steve Jansen e Mark Isham), Sylvian deixa as palavras respirar mais do que a arquitetura que as sustenta. Os instrumentos concedem espaço à voz e ao silêncio que, mais que nunca, se torna visível (escute-se, por exemplo, Orpheus, um dos temas centrais do disco). Melancólico, mas não necessariamente frágil, o disco representaria, contudo, o final de primeiro ciclo na obra a solo de Sylvian. A relativa simplicidade de meios motivou uma digressão (a In Praise Of Shamans Tour) que se seguiria. E depois teríamos de esperar 12 anos até reencontrar um novo álbum de canções gravado a solo por David Sylvian.

Durante anos falou-se da eventualidade de uma reunião dos Japan. Em meados dos anos 80 tal não parecia sequer cenário possível. Mas na verdade as várias edições a solo dos músicos que outrora haviam militado numa das mais interessantes bandas de todos os tempos deram sinais de vontade em colaborar entre si, chamando uns os outros aos seus respetivos discos a solo. Essa possibilidade acentuou-se sobretudo com o entusiasmo de Mick Karn durante a gravação de “Dreams of Reason Produce Monsters”, disco no qual Sylvian colaborou em dois temas. Até que, em finais dos oitentas, o reencontro ganhou forma. Mas eram homens bem diferentes dos que haviam gravado “Tin Drum” em 1981, tendo acumulado experiências que lhes permitiam outros desafios que os Japan de então não teriam podido enfrentar. Houve claras sugestões para que retomassem o nome da velha banda. Mas, sobretudo David Sylvian, vincou desde cedo que tal não poderia acontecer.

A reunião dos quatro músicos que constituíram a formação final dos Japan deu origem a um álbum que surgiu assinado como Rain Tree Crow. Gravado entre 1989 e 1990, o projeto partiu de um modelo de trabalho assente na improvisação, mas depois de uma etapa de livres contribuições criativas, a mistura fez-se sob total controlo de David Sylvian. A sua resistência tenaz à utilização do nome Japan levou-o a ser ele mesmo a pagar a mistura, já que a editora apenas concederia mais fundos caso cedessem nesse detalhe. Surge aqui a cisão que, apesar da satisfação com que todos acolheram o trabalho de arrumação das muitas ideias improvisadas em estúdio, não sarou feridas que, salvo na relação de Sylvian com o irmão Steve Jansen, nunca mais sararam. Mesmo assim o álbum único que editaram como Rain Tree Crow é um exemplo de herança direta não apenas do sentido de libertação que “Ghosts” já sugerira em “Tin Drum”, como refletia caminhos entretanto seguidos nas carreiras a solo dos vários músicos, particularmente o trabalho de Sylvian. O álbum apresenta em “Blackwater” (a única canção mais convencionalmente estruturada do alinhamento) o seu tema-chave, mas tem nos restantes momentos, todos eles nascidos de impulsos de improvisação em estúdio, quadros de um conjunto coerente e consequente. Parte do trabalho que Sylvian hoje faz tem aqui um antecessor de referência.

“Brilliant Trees”, “Alchemy: An Index of Possibilities”, “Gone To Earth” e “Secrets of The Beehive” de David Sylvian, estão já disponíveis em reedições em vinil com novo ‘artwork’.

“Rain Tree Crow”, do projeto Rain Tree Crow, é reeditado amanhã igualmente no suporte de vinil.

PS. Já agora não era má ideia esta coisa de reeditar a obra de Sylvian em vinil avançar com as colaborações com Robert Fripp nos anos 90 e, mais ainda, os belíssimos discos que criou já no século XXI, como “Blemish” e os que se seguiram.

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