
Tem por título “Sobreviventes – O Rock em Portugal na Era do Vinil” e é o novo livro de Pedro de Freitas Branco. Com título inspirado pelo álbum de estreia de Sérgio Godinho o livro procura, em 284 páginas, traçar uma narrativa comentada da cultura pop/rock portuguesa desde os primeiros sinais ainda nos anos 50 até aos episódios de grande protagonismo vividos na década de 80.
O livro, que tem prefácio de António Manuel Ribeiro, procura contextualizar as revoluções e referências dos artistas e discos que nascem entre nós com as grandes movimentações que entretanto iam acontecendo noutros lugares e cujos ecos aqui chegavam. E junta ainda ao texto algumas imagens (entre elas capas de discos) que acrescentam informação a estas histórias.

Como é que o melómano e o colecionador de discos se transforma num contador de histórias… que são as histórias dessas canções e desses discos?
Sem dúvida. Deve-se ainda acrescentar a relação afectiva e crítica com essas canções e discos, a vivência pessoal – a música sempre no centro da minha vida -, certo espírito adolescente ou de adulto não profissional, o vício da leitura rock, o consequente gosto pela escrita, e a vontade de partilhar conhecimento. Porém, na essência, é das canções e dos discos que nasce o contador de histórias.
A tua coleção de discos ajudou-te a estruturar esta narrativa?
Sim, até por que a própria coleção obedece a narrativa própria. Na sua organização, e na maneira como foi tomando forma, cruzando-se com a tal vivência afectiva e musical. Aliás, o leitor de “Sobreviventes” perceberá rapidamente como a audição/investigação de canções ou discos presentes na coleção espoletaram capítulos inteiros. Além disso, a coleção funcionou sempre como fonte de consulta.
Como fizeste a pesquisa de informação que depois usaste no livro?
Começando pelo final da resposta anterior, a coleção de discos (as capas também ajudam!). Mais: biblioteca particular; revistas e jornais de época; artigos atuais; documentários; filmes; internet (consulta de blogues especializados e do YouTube); documentos; entrevistas com protagonistas da narrativa (Portugal e Brasil); memória pessoal; redes sociais… O Facebook foi decisivo para estabelecer comunicação imediata. Exemplo: há anos que era amigo virtual de um tal Aníbal Miranda, português, residente nos Estados Unidos. Regularmente partilhávamos o gosto pela música. Certo dia, durante a pesquisa, deparo-me com o single raro, dos anos 70, de um singer-songwriter português chamado Aníbal… Pouco depois, reparo num crédito de coprodução no primeiro LP dos TAXI: Aníbal Miranda… Ora, boquiaberto fiquei quando confirmei que se tratava sempre do mesmo Aníbal! O amigo do Facebook! Resultado? Mais informação de fonte direta!
Como definiste os períodos de tempo a abordar no livro
Desde cedo decidi que queria narrar o período moderno – a Era do vinil -, deixando de lado o contemporâneo. Dos anos 50 ao final dos anos 80. Essencialmente, por que é o período em que me especializei durante toda a vida. E quando decidi escrever o livro já tinha o esqueleto da narrativa na cabeça. Ou seja, sabia de onde partia e para onde me dirigia. Tive até dificuldade em adormecer à noite por que me surgiam parágrafos inteiros. Era obrigado a levantar-me e a tomar nota. Pareciam canções caídas do céu. Depois, a divisão das diferentes épocas e das temáticas surgiu de forma clara, delineada pela própria linha histórica.
Sendo o rock’n’roll uma música nascida nos EUA, quando sentes que emergiram expressões verdadeiramente portuguesas que surgem dessas influências?
Logo no início dos anos 60 quando apareceram dezenas de conjuntos instrumentais “tipo Shadows”, como os Tártaros, os Titãs, Morgans, ou o Conjunto Mistério. Eram conjuntos, alguns excelentes, que cruzaram muito bem Shadows, Duane Eddy, e a surf music da costa oeste norte-americana (Ventures, Dick Dale), com temas do nosso cancioneiro popular. A interpretação de Coimbra, Menina e Moça pelo Conjunto Mistério é notável exemplo. Contudo, sendo agora mais purista, a estreia do Quarteto 1111 (1967) e o LP da Filarmónica Fraude (1969) foram marcos decisivos.
Há nomes do rock português que a memória coletiva deveria conhecer melhor?
Sim, principalmente se pensarmos nas novas gerações. Alguns exemplos: Daniel Bacelar, Sheiks, Conjunto Mistério, Catherine Ribeiro (luso-francesa), Conjunto Académico João Paulo, Quinteto Académico, Quarteto 1111, Filarmónica Fraude, Petrus Castrus, Banda do Casaco, Tantra, Arte & Ofício, Go Graal Blues Band, Lena D’Água, Mler Ife Dada, Pop Dell’Arte… E alargando a outras músicas importantes analisadas no livro, Duo Ouro Negro, José Almada, José Mário Branco, GAC… Por esta mesma razão é que escrevi este livro como se fosse um romance… Para que qualquer pessoa o possa ler e descobrir a música que lá respira.
O facto de Portugal ter colónias em África quando emerge a cultura rock’n’roll causou ali impacte e descendências importantes?
Sim, embora a importância dessa descendência só tenha chegado com verdadeiro impacto no século XXI. Mas há vários exemplos logo no início, nos anos 60, com a chegada de Victor Gomes de Moçambique, da Natércia Barreto, dos Rocks de Eduardo Nascimento que quase venceram o Campeonato Ié-Ié. O próprio Fausto começou com um conjunto rock (Os Rebeldes) em Luanda… Ou mesmo a Go Graal Blues Band, no final dos anos 70, cuja formação original era constituída por “retornados”. Acima de tudo, nunca devemos subestimar a influência que o Duo Ouro Negro exerceu sobre os nossos rockers…
O facto de viveres há algum tempo no Brasil deu-te uma outra perspetiva para contar estas histórias?
Sim, ajudou-me a ter uma visão distanciada do “sistema” em que vivi até certa altura. Foi libertador. Assim como uma alma que levita sobre o corpo passado. Foi quase como narrar outra vida. Além disso, permitiu-me fazer um melhor cruzamento, aqui e ali, entre a música popular portuguesa e brasileira. Tropicalismo e Quarteto 1111, Secos e Molhados, Moraes Moreira com Trovante, etc, etc.
Tens discos preferidos entre aqueles de que falas no livro
Claro. E dá para ler nas entrelinhas as preferências. O EP Caloiros da Canção (Daniel Bacelar/Conchas), o EP Sheiks em Paris, o EP da Lenda de El-Rei D. Sebastião (Quarteto 1111), o LP Epopeia (Filarmónica Fraude), o LP Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades (José Mário Branco), o LP À Queima Roupa (Sérgio Godinho), o LP Ar de Rock (Rui Veloso), o LP À Flor da Pele (UHF), o LP TAXI, o single Amor (Heróis do Mar), o LP Jardim da Celeste (Banda do Casaco), o LP Coisas que Fascinam (Mler Ife Dada), o LP Anjo da Guarda (António Variações), o LP Psicopátria (GNR)… São alguns dos exemplos…
E quais são os discos que ainda te faltam na coleção?
Faltam-me ainda singles e EP dos anos 60, o Mestre (Petrus Castrus), Homenagem (José Almada), os primeiros LP do Jorge Palma e da Banda do Casaco, o LP do Conjunto Académico João Paulo, o primeiro LP do Paulo de Carvalho… Ando à procura do único LP da banda do Porto Johnny Johnny… Não me importava de ter a prensagem original do primeiro LP do Quarteto 1111 – tenho a excelente reedição da Armoniz… Quero recuperar o EP dos Demónios Negros que saiu da coleção numa troca valente… Faltam-me singles de GNR e UHF… Há dias descobri que não tenho o Cais das Colinas (Trovante) em vinil… Espero ainda conseguir sacar o LP da Anar Band da coleção de um amigo.
“Sobreviventes – O Rock em Portugal na Era do Vinil”, de Pedro de Freitas Branco, é um volume de 284 páginas publicado pela Marcador.
Um prazer e uma honra. Obrigado!
GostarGostar