
O “Gramofone”, mini-programa da RTP Memória assinado por João Carlos Callixto, acaba de conhecer uma edição em livro. O volume surgiu por ocasião do assinalar dos 15 anos do canal e a propósito desta edição (sem fins comerciais) o GIRA-DISCOS falou com o seu autor.
O “Gramofone” é uma janela pela nossa memória da música e das imagens. Como surgiu a ideia e como a moldaste?
A ideia de fazer este programa e o desafio que me foi lançado vieram ambos do Gonçalo Madaíl quando, em 2015, a RTP Memória apresentou a sua nova programação. Poder “vasculhar” no riquíssimo arquivo da RTP e procurar pequenos-grandes momentos que importa que não fiquem esquecidos na poeira do tempo é algo de extraordinário e altamente recompensador.
Qual é o método de trabalho para cada mini-programa?
O princípio é de certa forma o mesmo desde o início: cada mini-programa deve ser constituído por uma música inteira e não deve haver repetição de artistas, que podem ser provenientes de qualquer área musical – assim considere o momento relevante, por uma panóplia de razões. Ao fim de alguns meses de programa, decidi incluir também artistas estrangeiros, desde que o respectivo momento tenha sido naturalmente captado pelas câmaras da RTP. Assim, já passaram pelo “Gramofone” nomes brasileiros, espanhóis e ingleses – um apenas, David Bowie, que fecha o livro recém-editado com uma selecção de nomes que passaram pelo programa.
Quais as maiores descobertas que fizeste no arquivo da RTP?
Algumas até foram anteriores ao início da série. Aliás, a primeira emissão é disso paradigmática: o vídeo do grupo Sindicato que incluí tinha sido “descoberto” aquando da preparação em 2010 da série documental “Estranha Forma de Vida”, um projecto idealizado pelo radialista e apresentador Jaime Fernandes. Na descrição existente então surgia apenas “grupo rock toca na Discoteca Ronda”, em 1971. Pensando que se tratava de algum grupo estrangeiro, fui ver o material e qual não é a minha surpresa quando começo a ver o Jorge Palma, o Rui Cardoso, o Vítor Mamede, o Ricardo Levy (ex-Jets), etc, etc. Ou seja, era o mítico Sindicato, o primeiro grupo com o Jorge Palma a gravar e no seu único momento preservado no Arquivo RTP. Uma outra descoberta, mas ao contrário, foi a possibilidade de poder contribuir para a re-inclusão no arquivo da série “Sheiks com Cobertura”, de 1980, e pela qual passaram quase todos os grandes nomes da Música Portuguesa de então. Só estava guardado o genérico da série mas, por sorte, o cantor Daniel Bacelar (falecido entretanto em 2017) tinha gravado toda a série em formato Beta e a RTP fez o restauro a partir dessa única gravação conhecida.
De que forma a tua coleção de discos vai se vai relacionando com o “Gramofone”?
De todas as formas e feitios… Aliás, costumo dizer que sou colecionador por “obrigação”, uma vez que é impossível escrever livros ou programas sobre a história da nossa música sem recorrer às fontes primárias – sendo os fonogramas a primeira dessas fontes, uma vez que se trata de conhecer melhor a história da indústria discográfica em Portugal.
Nem todos os momentos recordados no “Gramofone” geraram discos…
É verdade, embora seja uma minoria de casos aqueles em que isso não aconteceu. Recordo-me assim de repente do Carlos do Carmo a cantar o Eleanor Rigby, dos Beatles (apesar de ele ter gravado o Something) ou do Thilo’s Combo a interpretar uma deliciosa versão do A Taste of Honey, de Herb Alpert.
Como surgiu a ideia de fazer um livro?
Foi de novo um desafio do Gonçalo Madaíl, a propósito dos 15 anos da RTP Memória, que acolhi mais uma vez com todo o entusiasmo – até pela reduzida bibliografia de referência nestas áreas, embora mais crescente nos últimos anos.
Que critério usaste para selecionar os nomes que levaste para o livro?
O mais simples e democrático de todos: o cronológico! Uma vez que o livro só poderia ter 100 programas, ficaram portanto os 100 primeiros, que foram reorganizados pela ordem de antiguidade, desde 1959 (com Max e “Cha-Cha-Cha em Lisboa”) a 1990 (com “Heroes”, por David Bowie, ao vivo em Lisboa).
Como podemos consultar os episódios já feitos do Gramofone? (conta quantos são so far)
Todos os episódios estão disponíveis numa página dedicada no site da RTP. Até ao Verão de 2019, foram transmitidos 155 episódios, sempre com artistas diferentes. O que quer dizer que no livro ficaram já mais de cinco dezenas de fora…
E que nomes estão na calha para surgir nos próximos programas?
Sem levantar a ponta do véu sobre todos os nomes, posso dizer que temos desde conjunto precursores do rock em Portugal – como o Conjunto de Toni Hernandez, do Porto – até ao longevo Trio Odemira – com um tema latino que muitos conhecem do cinema de Pedro Almodóvar – ou a vozes como as de Maria José Valério ou Vera Mónica, neste caso acompanhada pelo Quarteto 1111. Isto para não falar dos grupos dos anos 80…