
Ao contrário de nomes como Herbie Hancock ou Miles Davis, que incluem na sua discografia trabalhos nascidos de um relacionamento com o mundo do cinema, a intervenção direta de John Coltrane no grande ecrã resultou apenas num momento de discreta colaboração com um filme canadiano que teve sobretudo influência maior na história futura do cinema e outras artes no Quebeque dada a forma como explorava uma crítica visão política através da história de um jovem casal. Assinado em 1964 pelo realizador e ativista canadiano Gilles Groulx (1931-1994), Le Chat dans le Sac teve a respetiva banda sonora criara por John Coltrane. A música ganhou forma em sessões de gravação registadas nesse mesmo ano, juntando em estúdio o próprio Coltrane com o pianista McCoy Tyner, o baixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones, o quarteto “clássico”.
Gilles Groulx era amigo do baixista e foi através dele que chegou a Coltrane. As sessões de gravações tiveram lugar em junho de 1964 no estúdio Van Gelder (em New Jersey), precisamente entre as que geraram os álbuns Crescent e A Love Supreme. Na verdade estas gravações nasceram três semanas depois dos trabalhos que geraram Crescent. Coltrane não avisou então a sua editora de que estas sessões iriam decorrer. E após três horas de trabalho o próprio realizador pegou nas bobines e levou-as para o Canadá, onde terminou a pós-produção do filme. Por não ter sido apontada nos registos do estúdio, a sessão ficou algo “esquecida” entre a história dos registos gravados do músico. E as bobines permaneceram anos a fio com o realizador até que, já depois da passagem do século o trabalho de inventariação do arquivo de Gilles Groulx National Film Board of Canada notou a sua existência.
A montagem final do filme havia ditado, sob o ponto de vista do realizador, que nem toda a música gravada por John Coltrane se escutasse de facto entre as imagens. Pelo que agora, depois de longo período de discussão e negociação entre o National Film Board of Canada e a editora Impulse, cabe ao álbum Blue World o papel de preencher uma lacuna no historial do músico. Vale a pena notar que este disco surge um ano depois de Both Directions at Once: The Lost Album, um disco que revelou gravações de 1963 e que gerou um entusiasmo generalizado que motivou até algumas das mais destacadas classificações em tabelas de vendas para um disco de jazz nos últimos tempos (em Portugal o disco chegou ao número 4 na tabela compilada pela AFP).
“Blue World”, de John Coltrane, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Impulse