
Sempre que o via lembrava-lhe: “O Eduardo tem a canção do meu ano”… E ele sorria. Foi dele, de facto, a interpretação de O Vento Mudou, a canção com música de Nuno Nazareth Fernandes e letra de João Magalhães Pereira que venceu a quarta edição do Grande Prémio TV da Canção Portuguesa (era assim que se chamava então o Festival da Canção) e ali ganhou passaporte para levar a canção até Viena (na Áustria), que nesse ano acolheu o Festival Eurovisão da Canção. Terminou a noite em 12º lugar, o melhor resultado para uma canção portuguesa até então. E ali ajudou a fazer história já que, um ano depois da holandesa Millie Scott, foi o segundo cantor negro a cantar no concurso internacional, cimentando assim um processo de caminhada rumo a uma maior representação de diversidade na Eurovisão. Eduardo Nascimento morreu a 22 de novembro de 2019. Tinha 76 anos.
Nasceu em Luanda em 1943 e em 1962, já medalhado na natação e no atletismo (tinha estabelecido em 1961 o recorde angolano dos 200 metros bruços, era recordista júnior do lançamento do peso e corria os 400 e os 800 metros) e decidido a fazer um percurso na música, é um dos fundadores dos Rocks, grupo que teve um papel na história pop/rock angolana. Como muitos dos grupos que então emergem em Portugal, os Rocks seguem a matriz do som ié ié e contam nessa primeira formação, além da voz de Eduardo Nascimento, com Luís N’Gambi (guitarra ritmo), Fernando Saraiva (guitarra solo) e Tó Caseiro (bateria).
E logo em 1962 fazem uma residência de um mês na Ronda, uma boîte no Estoril onde então também atuava o Thilo’s Combo. Em 1965 vencem o apuramento angolano para o Grande Concurso Ié Ié do Teatro Monumental em cuja final acabam depois em segundo lugar. Gravam então um primeiro EP com um original (Wish I May) e versões de I Put a Spell on You, The Pied Piper e Only One Such As You. E dado o impacte das atuações e do disco são convidados para fazer as primeiras partes de concertos de nomes internacionais como Adamo, Sylvie Vartan ou Sandie Shaw.
Em 1967 Nuno Nazareth Fernandes convida Eduardo Nascimento para cantar O Vento Mudou que abriria caminho à edição de um EP a solo com acompanhamento da orquestra de Joaquim Luis Gomes. E aí, mais ainda que o tom pop do Ele e Ela que Madalena Iglésias havia defendido em 1966, a presença de Eduardo Nascimento vinca uma etapa de transformação no Festival da Canção, que então começa a assimilar valores novos vindos do universo pop/rock. E esse foi o seu vento de mudança! Em 1968, por exemplo, a vitória caberia a Carlos Mendes (vindo dos Sheiks) e entre os intérpretes estava ainda José Cid (do Quarteto 1111). Para promoção internacional é gravada uma versão em inglês de O Vento Mudou, com os Rock como banda de acompanhamento. A canção faria sobretudo história entre gerações seguintes do pop/rock português e teria versões pelos Delfins, Da Vinci, UHF, Adelaide Ferreira e Miguel Ângelo (a solo).
O impacte eurovisivo da canção leva os Rocks a fazer uma série de atuações na Holanda. O grupo gravou em 1968 o seu segundo e derradeiro EP, tendo como tema principal Don’t Blame On Me. E ficaram durante dois anos a atuar regularmente no Casino Estoril. Eduardo Nascimento abandona, contudo, a música em 1969 e regressa a Angola, iniciando depois uma carreira profissional por outros caminhos.
Em 2019 regressou ao palco do Festival da Canção para interpretar, numa nova versão com os Cais do Sodré Funk Connection, o seu “clássico” O Vento Mudou. Quando lhe liguei a propor este desafio respondeu com um “sim” imediato com aquele mesmo sorriso e voz que lhe conhecíamos. Nos ensaios e, depois, no programa, vivemos momentos inesquecíveis!