Com canções de formas e sons evocam os tempos da sua “fase imperial” os Pet Shop Boys mostram em “Hotspot” como a solidez de uma linguagem lhes permite encontrar força e vitalidade para continuar a refletir sobre o presente. Texto: Nuno Galopim

Feitas as contas passaram já 39 anos sobre o momento em que um jornalista com 27 anos e um estudante de arquitetura com 21 se cruzaram numa loja de material de alta fidelidade em King’s Road (Londres). Praticamente quatro décadas depois são, juntos, autores de uma das obras mais importantes e sólidas que a música pop desde então viu nascer, aliando um saber e elegância nas formas a uma não menos cuidada abordagem às palavas (e com elas a temas que ajudam a desenhar não apenas marcas de identidade, mas também da história política e social do nosso tempo). Há alguns meses, de resto, os Pet Shop Boys fixaram no EP Agenda um quadro de quatro pequenas (mas contundentes) reflexões sobre o momento político que o mundo vive. Poderíamos pensar que, arrumado aí esse discurso, o álbum que se seguiria, poderia caminhar por uma outra diversidade de temas. Hotspot, o seu 14º álbum de estúdio, não é de facto um espaço de azimute temático tão fechado quanto o que o EP explorara. Mas é curiosamente nos instantes em que as canções refletem sobre o mundo em nossa volta (como em Dreamland, onde se fala de um idílio sem barreiras, em clara alusão a políticas restritivas à imigração, ao Brexit e a ecos da administração Trump) que achamos o gancho que fixa Hotspop como um fruto (e espelho) do presente. É nos temas que os Pet Shop Boys marcam agora a relação com o tempo em que as canções nascem. Porque, nas formas, e tal como em Agenda, Hotspot traduz a voz de banda que há muito encontrou a sua assinatura estética e parece viver bem com a ideia de que não é preciso estar a fazer novas revoluções no plano estético para justificar a longevidade de uma carreira.
Parece que gostamos da ideia de trilogias… Isto pode vir dos trípticos que a história da arte nos foi ensinando, não sei… Mas também os Pet Shop Boys têm uma trilogia. E foi ganhando forma, ao lado de Stuart Price (o mesmo dos Zoot Woman e que produziu Confessions on a Dance Floor de Madonna) que, após o relativamente mal-amado (mas belíssimo e mui tranquilo) Elyseum (2012), se juntou a Neil Tennant e Chris Lowe para reativar as ligações mais evidentes dos Pet Shop Boys com a pista de dança (e heranças do eletro), criando Electric (2013) e Super (2016). Na verdade a ideia de tríptico tem mais a ver com a presença do produtor – novamente protagonista em Hotspot – do que com os rumos que a música seguiu. Se quisermos continuar a “arrumar” ideias, podemos juntar os álbuns de 2013 e 2016 num díptico definido por uma visão musical comum. Isto porque, embora mantendo o mesmo Stuart Price no mesmo lugar na régie, Hotspot é um disco que viaja no tempo rumo a memórias da “fase imperial” dos Pet Shop Boys, ora sugerindo temas mais pacatos que parecem herdeiros de Behaviour, ora experimentando trilhos pop na linha dos que em tempos fixaram em Introspective.
Hotspot tem um sabor vintage embora as palavras não sejam equívocas: fala-se do aqui e do agora. Mas, apesar da familiaridade dos sons, é tudo menos um mais do mesmo. As canções são requintadamente desenhadas, da composição e escrita aos arranjos e produção. E nelas sentimos a vitalidade de uma dupla que ajudou a fazer episódios marcantes da história e que, como poucos, achou e fixou uma linguagem. E que agora a faz viver no tempo para além dos ciclos (quase sempre curtos) de entusiasmo global e sucesso maior que a pop habitualmente concede. Ao juntar o vocalista dos Years & Years (em Dreamland), ao refletir sobre o presente, Hotspot mostra que, mesmo familiares no som, os Pet Shop Boys estão longe de viver apenas da fama de velhos êxitos. Nada aqui é postiço. Tudo é… puro Pet Shop Boys.
PS. O Pollock e o Rothko estariam tramados se, depois de terem encontrado uma linguagem, achássemos que podiam começar a fazer coisas diferentes. Assim “tipo” o que as gerações seguintes estavam a fazer. Deixem lá o Pollock largar as suas pintas (sim, pintas, com tintas) sobre a tela…
“Hotspot”, dos Pet Shop Boys, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da x2