Um disco para consagrar Dan Bejar, que, na verdade, nem procura fama nem elogios…

Já com mais de uma dúzia de discos, o projeto Destroyer, do canadiano Dan Bejar, apresenta em “Have We Met” um dos melhores episódios da sua obra (e um dos primeiros grandes álbuns de 2020). Texto: Nuno Galopim

Pode não ser a mais precisa das descrições, mas muitas vezes penso no projeto Destroyer como uma espécie de versão século XXI dos Prefab Sprout, embora sem o palmarés de singles de sucesso que, a dada altura, fizeram do grupo um nome de visibilidade considerável, sobretudo na segunda metade dos anos 80. Na verdade a comparação não cai do céu… Há em Dan Bejar (o epicentro criativo de Destroyer) uma certa afinidade com os Prefab Sptout entre o modo de conceber canções e de as moldar. Entre Bejar e Paddy MacAloon há igualmente uma clara demarcação de uma região criativa muito pessoal e alheia às eventuais tempestades ou sacudidelas das modas ou dos gostos dos outros. Ambos criaram nichos e, se tiver de ser, ficam bem com quem os segue de perto… A diferença maior – além das que as referências musicais de ambos foram refletindo no decurso das suas obras – está claramente no patamar da escrita. A de Paddy MacAloon é bela, poética, mas tão capaz de ser narrativa como reflexiva… A de Dan Bejar é ele quem entende… Frequentemente desconcertante, difícil de descodificar (se é que o pode ser) mas nem por isso poeticamente menor, a escrita que dá alma às canções de Destroyer acaba por ser outra das suas marcas de identidade… E como nos podemos perder na busca de narrativas ou significados, nada como, numa primeira abordagem a cada novo disco, começar pelos sabores dos sons e as sensações que em nós podem despertar.

         E as primeiras sensações que o novo Have We Met em mim lançaram foi a de uma possível ponte para com o ciclo de canções aqui apresentados e o aclamado Kaputt, álbum de 2011 que, até aqui, guardava como referência maior da obra de Dan Beja. E de facto há entre as canções deste neste novo disco uma procura de ideias que libertam a música para além dos espaços mais “clássicos” na instrumentação e produção como ouvíamos nos imediatamente anteriores Poison Season (2015) ou Ken (2017). As canções em Have We Met parecem definir uma ideia de arco cinematográfico (ou pelo menos cenograficamente consciente de uma noção de tempo e espaço). Há sinais de demanda, de silêncios, de momentos, mostrando que há mais numa canção do que carne e pele para servir as palavras e uma melodia. Esta ideia de uma pop mais desafiante, que não deixa mesmo assim de ser coisa de saborear e digerir bem (ou seja, não entramos aqui em abismos de desconstrução ou saltos quânticos), tem aqui um belo exemplo… Um pouco como o fizeram os álbuns dos Prefab Sprout quando, já longe dos apetites das rádios Top 40, não deixaram nunca de nos brindar com discos gourmet e suculentos… Have We Met é mesmo um belo exemplo de um bom disco de canções (indie) pop para gente crescidinha (ler “que se esteja nas tintas para os sabores das tendências do momento” e goste de saborear boas ideias desenhadas com sons). Não faltam ecos de pistas colhidas em ecos dos oitentas, embora sem recorrer às ideias mais habituais nos supermercados da memória. É por isso o oposto da operação (indie pop) aparentemente “adulta”, mas na verdade apenas aborrecida (e em registo mais do mesmo do início ao fim) do novo Tame Impala.

“Have We Met”, de Destroyer, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Dead Oceans.

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